Estudando ao longo de muitos anos a criminologia etiológica, que é a ciência que procura desvendar as razões pela qual o homem delinque -“passa ao ato”, como dizem os franceses -, firmei a convicção de que são mesmo muito variados os tipos de criminosos.
Afinal, um jovem que, embriagado e participando de um “racha” de automóveis, termina por matar duas pessoas atropeladas, no que se assemelharia com um assaltante contumaz, que sóbrio comete os seus roubos? Em nada!
No que se assemelharia o estelionatário que obtém suas vantagens pela “lábia”, aplicando golpes pelo verbo, com o violento estuprador, que não titubeia em lesionar gravemente sua vítima em busca de prazer doentio? Em nada!
Estruturas mentais possivelmente diversas, categorias criminológicas totalmente distintas.
Qual semelhança psicológica haveria entre um homicida passional, ocasional, com um serial-killer, multireincidente? Nenhuma! De objetivo só o ato de matar.
Conquanto uns e outros possam transitar entre os diferentes tipos de crimes pelas mais variadas razões, costuma haver uma certa “predileção” criminógena, um maior ou especial “talento negativo” que os predispõe vocacionalmente para um específico grupo de danuras afins.
Assim, os afeitos à violência praticam crimes mais violentos, certamente, como se fosse uma tautologia; os que aprenderam a dar golpes, crimes onde não se sujam com o sangue alheio, e costumam ter “funções de gabinete”, dão azo também a uma especial categoria de criminosos, os de “colarinho branco”.
Por isso, a Lava-Jato, cujos protagonistas dos crimes eram, muitos deles, pessoas até respeitáveis socialmente, nenhum deles tentou, ao que se saiba, silenciar testemunha pelo uso da força ou da ameaça cruel, sem nunca voltar-se com violência contra um desafeto ou delator.
Se houve, foi exceção, na prática, contrataram advogados; alguns buscaram dar fim em provas (queima de documentos, deletando dados de computadores), mas, a violência dos réus não apareceu.
Dessa forma, tirando um ou outro mais boquirroto e façanhudo, alguns aparentavam até mais calma que alguns de seus pressurosos defensores.
Mas, não é assim que acontece com as organizações criminosas que se envolvem com o roubo, narcotráfico, sequestro, etc. Volta e meia uma testemunha é ameaçada ou “some”, um policial é morto, etc.
Portanto, convenhamos, ainda que sem nenhum carinho -pela desgraça que nos proporcionam - mas, os “corruptos” são “malandros especiais”. Daí, eu dizer, até onde vi e compreendi, o corrupto é, talvez, um tipo ou sub-tipo de estelionatário cruzado com ladrão. Engana o povo, engana a gente, pactuando com o corruptor um truque que beneficiará a ambos em prejuízo de toda a comunidade.
Muitos deles - talvez a maioria - não ficam jamais bravos, nem nervosos, a não ser excepcionalmente; como os estelionatários são cortezes, educados, falam manso e pacificamente e, mesmo alguns bons malandros, engraçados e cativantes.
Não assaltam a mão armada, não agridem à mão pesada, “apenas” tungam o povo, no geral, de forma indireta, e não chegam a ver grande pecado nisso: em suas consciências costumam sempre encontrar boas justificações, indulgentes que são consigo mesmo.
E é aí que está o problema, pois delinquem brincando, como se fosse um jogo tungar o próximo, uma brincadeira, algo lúdico, trapacear o povo, o eleitor, o cidadão, o seu vizinho. Sendo mais “circunstanciais” e organizados, são também menos primitivos que os criminosos violentos, e bem poderiam controlar seus impulsos criminógenos não fosse o fato de se julgarem realmente mais espertos do que suas vítimas, e, assim, confiarem na impunidade.
E muitas das vítimas contribuem para essa crença, na medida em que tão facilmente os desculpam. A clemência, tantas vezes irresponsável piedosa, aliás, é a mãe de muitos crimes.
Vai daí, que se já muitos que pertencem ao mundo da política tem uma vaidade mal disfarçada, afinal, foram eleitos, escolhidos em imensa multidão pelo povo, é na corrupção que o problema se agrava quando obtém a ilícita vantagem.
É a auto-consciência, o auto-elogio de gênio (criminoso), porque inventaram um novo golpe, uma nova negociata, ou replicaram com sucesso um modo de corrupção antigo e, assim, passaram para trás milhares ou milhões de pessoas, muitas vezes, engordando os bolsos com milhões do dinheiro público-alheio.
Daí a certeza que guardam, de que são mais espertos.
Faço aposta: em meio a seus iguais, cupinchas do crime, na hora do charuto ou do vinho, ou solitários em seus quartos, até acompanhados em côro pela família - que inocente ri por outro motivo qualquer - os corruptos gargalham! E gargalham desabridamente!
Não é difícil escutá-los gargalhando no terreno plano da lógica, onde se propaga à perfeição tais sons. Afinal, espertos, julgando-se mais inteligentes do que todos (em verdade o sucesso dos golpes em geral é apenas por ausência de escrúpulo) o sorriso é a auto-satisfação com que se premiam pelo excelso talento.
E essa inteligência cômica, riso de serpente satisfeita, somente uma coisa pode fazer aquietar: a exposição pública de uma pena, a foto indo ao cárcere estampando jornais, a expiação, enfim, porque se o crime o deixou famoso, a pena também deve mostrá-lo infame.
Para compreender um pouco esses tipos, deve-se começar lendo “A vaidade criminal”, de José Ingenieros.
São vaidosos, e vaidosos não gostam de passar vergonha, sobretudo quando já tendo pouca, ainda são compelidos a gastar o mínimo que lhes resta.
Edilson Mougenot Bonfim
Jurista