Artigo: O homem no centro do mundo: afeto, afetação e afecção
27/05/2015 às 09:30 Ler na área do assinanteObserve a natureza peculiar desta contradição e a atmosfera peculiar de nosso tempo. Houve períodos na história quando os homens não conseguiram encontrar respostas porque eles contornaram a existência dos problemas, fingindo que nada os ameaçava e denunciaram quem falou da aproximação de desastre. Isto não é atitude predominante de nossa época. Hoje, as vozes proclamando desastre estão tão na moda como um corrosivo em que pessoas são agredidas em apatia por sua insistência monótona; mas a ansiedade sob essa apatia é real. Consciente ou inconscientemente, intelectualmente ou emocionalmente, a maioria das pessoas hoje sabe que o mundo está em um estado terrível e que não pode continuar no seu curso presente muito mais tempo.1
Dos afetos – Os que escreveram sobre os afetos e o modo de vida dos homens parecem, em sua maioria, ter tratado não de coisas naturais, que seguem as leis comuns da natureza, mas de coisas que estão fora dela; ou melhor, parecem conceber o homem na natureza como um império num império. Pois acreditam que, em vez de seguir a ordem da natureza, o homem a perturba, que ele tem uma potência absoluta sobre suas próprias ações, e que não é determinado por nada mais além de si próprio.2
Há razões para eu iniciar este artigo com dois pensamentos filosóficos que me são caros particularmente.
Ayn Rand sempre me impressiona com suas digressões acerca das noções do individualismo e da autossustentação que servem como balizas da raça humana através dos tempos. Suas ideias de que o homem deve definir os seus valores e decidir as suas ações à luz da razão, além de ter o direito de viver por amor a si próprio a se sacrificar ___________________________________________
1 Rand, Ayn ; Philosophy: Who needs it, p. 85/86 ; Published by New American Library, a division of Penguin Group (USA) Inc., 375 Hudson Street, New York, New York 10014, USA; translation by JM Almeida
Spinoza, Benedictus de, 1632-1677 ; Ética / Spinoza, p. 161 ; [tradução e notas de Tomaz Tadeu]. – 3. Ed., 1. Reimp. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2013 / título original : Ethica
pelos outros e sem esperar que os outros se sacrifiquem por eles e que ninguém tem o direito de usar a violência – física ou psicológica – para tomar do alheio aquilo que lhe é valioso e muito menos ainda impor sacrifício a quem quer que seja em nome próprio.
Por isso suas críticas às ações humanas tão contundentes exigem profunda reflexão para não serem tomadas como gratuita agressão aos homens e aos seus comportamentos. São mais constatação das afecções cujas raízes estão nas imposições da evolução das sociedades, tempo a tempo, transformando valores alhures em novas revelações no mundo contemporâneo. Destas manifestações nascem novos afetos e novas afetações, substantivações bastante diferentes, posto que, os afetos são o impulso do ânimo que se manifesta no homem ora em forma de paixão, ora amizade, ora amor, ora simpatia, mas todos são sentimento; a segunda – a afetação – está mais ligada à condição desordenada, e por vezes até forçada, de mero desejo.
Parece-me haver uma sublime aproximação da leitura que Spinoza fez do homem e que revela implicitamente no cerne do seu pensamento que este mesmo homem está incapaz de agir por si próprio pois desconhece sobremaneira as afetações que sofre de todas as coisas deste mundo e do que não está no mundo.
Ora, pois bem, falei de afecções, afeto e afetações. Fenômenos distintos provocadores de relações distintas entre o corpo e a mente – e sobre tal, Spinoza foi mais meticuloso na construção de seu pensamento. Sua epistemologia fundamentou-se na sinergia de corpo, alma, mente com a Divindade como fator de intromissão no comportamento humano.
Assim, tomo duas bases bastante distintas entre si para operar minhas observações não-científicas e um tanto quanto neófitas acerca de certas posturas do homem atual.
Ayn Rand edificou seus temários nos meados do século XIX; Spinoza, no século XVII. Mas muito antes desses tempos, antes mesmo da Era de Cristo – cerca de 400 anos a.C. –, Aristóteles já desafiava conhecer e definir a ética como o conjunto das ações humanas tomadas a partir do conhecimento e trabalho que visavam a algum bem maior. Para o filósofo, a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza compunham – mas não completavam – um arcabouço de pré-requisitos mínimos necessários para um bem-viver; a noção aristotélica de virtude, que o filósofo dividiu em duas classes: a virtude intelectual e a virtude do caráter.
O planeta há tempos vem dando sinais de sua intensidade, sua capacidade de rearrumar as coisas, reordenar suas prioridades e proteger-se das mais deletérias ações humanas, mas não sem cobrar caro por todo esse esforço que deflui da natureza e obedece a critérios próprios e abstratamente priorizados.
O homem, por seu turno, compelido pela mesma força de sua natureza, infecciona tudo quanto é vida existente na terra ainda que saiba que a sua própria existência dependa diretamente da saúde do planeta. E se assim insiste em agir contra forças que não pode enfrentar verdadeiramente, muito pior faz com os seus semelhantes, como se o mundo jamais pudesse acabar e tudo que há nele, impossível seria deixar de existir. A natureza sobrevive sem o homem; o inverso, não! Há quem duvide?
A ganância é das subespécies da estupidez que habita essas mentes doentes que vagueiam por aí. Lógico que estão no poder de alguma coisa, principalmente, no poder sobre os demais homens.
Isto que penso (3) não se presta ao cego, ainda que um dia tivesse enxergado; nem ao assombrado, ainda que um dia tivesse esperança; nem ao deslumbrado de hoje, ainda que dia houvesse em que nenhuma esperança havia; nem aos publicanos - de ontem e de hoje -, porque nunca se incomodaram de se acomodar do lado que melhor lhes conviesse; não se presta aos republicanos, porque esqueceram o que é “res publica”; não se presta também aos ímpios, porque certo ou errado eternamente se sentirão ofendidos; não se presta ao ignorante, porque não é de seu alcance entender; não se presta aos vis, porque acreditarão falar-se deles; não serve tampouco a quem nunca, ao menos, refletiu sobre a Divindade ou a inexistência Dela.
Apresentou-se Ele, e disse:
“Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para abolir, mas sim para levá-los à perfeição. Pois, em verdade vos digo, passará o céu e a terra, antes que desapareça um jota4, um traço da lei. Aquele que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar assim aos homens, será declarado o menor do reino dos céus. Mas aquele que os guardar e os ensinar, será declarado grande no reino dos céus. Digo-vos, pois, se a vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mateus 5:17-20)
E por estas palavras foi decretado o início do tempo das revelações; o guia para uma vida reta e abençoada para aqueles que se tornassem crentes na fé.
Os ensinamentos que se seguiram, apostos no Livro dos livros, seguem atacados. Não há neste mundo uma unanimidade para nada. Nem o cristianismo nem qualquer outra crença ou religião, ou seita ou facção, têm sido competentes suficientemente para unir os homens neste mundo.
Este binômio, a lei e a justiça, dos escribas e fariseus a que Ele se referiu permanece vigente, embora modificada, atualizada, modernizada e moldada à evolução humana, distribuída cada qual aos costumes dos quartos da Terra, de cujos tetrarcas defluem a incumbência de melhor redigi-las; nenhuma das leis mundanas conseguiu se comparar em essência a Lei do reino dos céus.
A essência é tão volátil! Constitui o ser e a natureza das coisas, estimando sua qualidade predominante, seja nas plantas e nas drogas, seja nos corpos como o que há de mais puro e sutil na sua própria existência; tem de “per si” um caráter distintivo que lhe entrega por definitivo a ideia de principal. Por estas características tão abstratas, nunca a lei dos homens se poderá comparar às leis sagradas.
E a razão é simples; os homens não querem que assim seja.
Nenhum esforço nem coalizão. Nem querem unir-se nem repartir entre si. A vida é um flash!
Amizade não expressa mais o seu sentido pura-raiz, não se atreve a ser mais do que um like. Esqueceram-se das virtudes da essência humana. Se se está bem e o outro também, então tudo está bem, a não ser que o bem do outro não supere o seu; se se está bem e o outro está mal, não confias arriscar o teu próprio bem pela melhora da do outro; se se está mal e o outro está bem, e anseias pela ajuda que nunca vem, por mesquinharia, iguala-te àquele de quem esperas alguma atenção. Não há préstimos por inteiro, não há perfeição. Somos desgraçadamente egoístas.
E o homem não sabe disso? Lógico que sabe.
Então por que desmerece em tal tamanho o seu semelhante e o seu planeta? – Ganância, lembra!?
Então por que arriscar acabar com tudo, justo quando em que tudo acaba nada mais há o que desfrutar? – Fragorosa, ruidosa ganância.
Ora, então todo o mal está na ganância? – Não! A ganância está no armário das não-virtudes. Tudo o que não seja uma disposição verdadeira e constante do espírito que nos induz a evitar o mal e exercer o bem, não pode ser virtude.
Guerras, fome, miséria, êxodos forçados, intolerância, mortandade infantil, epidemias, pragas, segregação, discriminação, humilhação, lutas de classes, enfrentamentos por crenças diversas, assassinatos em nome de causas, desemprego, favelas, acampamentos, vítimas, ideologias impertinentes, corrupção, embrutecimento, desesperança, enfezamento deliberado contra os povos mais vulneráveis, importunidades pré-arranjadas, mentiras, falsas promessas, vidas destruídas, arrepios legais, esmagamento das consciências, falsas juras, falsas profecias, falsidades de toda natureza, povo-gado, fugas, tristeza, tráfico humano – adultos e crianças de ambos os sexos – exploração sexual – idem – desfiguração da família tradicional, desigualdade e morte.
Até onde a natureza pode suportar? Até quando o homem será vítima de si mesmo? Até quando o Cosmo a tudo permitirá?
Ser um homem comum deveria equivaler a viver na plenitude de uma vida sem agonia própria e alheia; nascer, crescer, criar, procriar e morrer. Já seria muito bom.
JM Almeida
1 Rand, Ayn ; Philosophy: Who needs it, p. 85/86 ; Published by New American Library, a division of Penguin Group (USA) Inc., 375 Hudson Street, New York, New York 10014, USA; translation by JM Almeida
2 Spinoza, Benedictus de, 1632-1677 ; Ética / Spinoza, p. 161 ; [tradução e notas de Tomaz Tadeu]. – 3. Ed., 1. Reimp. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2013 / título original : Ethica
3 http://jmaurino.blogspot.com.br/search?q=Isto+que+penso (extrato de artigo : SOMOS TODOS IMPERFEITOS; É DA NATUREZA HUMANA : Almeida, JM : 11/Dez/2014)
4 Curiosidade: jota é a menor letra do alfabeto hebraico
JM Almeida
João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas.