Sabe com quem está falando?

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O autoritarismo arraigado na sociedade brasileira, que tem a sua origem no período colonial, independe de categoria ou questão social. Aparece quando alguém ou um grupo quer prevalecer de forma arrogante ao interesse social ou poder sobre outra pessoa. Mesmo rejeitado numa sociedade democrática, ele floresce nos momentos mais inesperados. É quando numa situação de conflito de interesses, alguém fala, para demonstrar importância, a cretina frase “sabe com quem está falando? ”  É a famosa prática da “carteirada”. 

Nos tempos atuais, este autoritarismo histórico também se confunde com duas outras mazelas do ser humano, a questão ética e a questão moral (não o moralismo). 

Ao fechar o governo, após 8 anos e antes do malfadado governo de dona Dilma, Lula retornou à S. Bernardo, onde tem um belo apartamento de cobertura. A sua mudança, segundo notícias da época e da grande imprensa, compunha-se de 1,5 milhão de objetos transportados em 11 caminhões baús.

No que me consta, apropriar-se de objetos que foram presenteados durante o mandato presidencial, embora seja uma velha prática, não é legal e está com os dias contados. A justiça federal já está no encalço desses ex-presidentes “colecionadores”.

Entre a “herança do Planalto” do Lula constou um caminhão climatizado como adega para as garrafas de vinho, cachaça e uísque, entre outras bebidas de grife.

Quanta diferença dos tempos da campanha de 1989, quando foi candidato à presidente pela primeira vez. Naqueles bons tempos era uma dureza só, sem quase nenhum recurso e com dinheiro arrecadado pelos sonhadores voluntários que acreditavam na construção de uma sociedade melhor e possível, com ética, justiça social e solidariedade. Cada um ajudava como podia. Eu mesmo colaborei como uma velha Kombi que ficou três meses à disposição da campanha do Lula-lá. Mas, o tempo passou e muita coisa mudou....

Vive-se agora novos tempos, ainda sob o governo petista. Novos tempos?  Não é que apareceram no governo da dona Dilma mais personagens protagonistas de tenebrosas transações e sob denúncias gravíssimas.  Alguns deles já estão atrás das grades.  O primeiro a puxar a fila foi José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, que teve o mandato de deputado federal cassado pelo seu envolvimento no escândalo do Mensalão e envolvido no processo da Lava Jato, hoje preso. O mais curioso nesse caso de tempos de desmando, quando indagado se voltaria ao governo depois da primeira “cana”, ele simplesmente respondeu: “mas, eu nunca saí! ”. 

Outra personagem presente na festa de Dilma no seu primeiro mandato da  foi a ministra Erenice Guerra, amiga de dona Dilma e generosa matriarca

, que confundiu o público com o privado. Para o espanto de muitos, esta “chefona” continua na ativa, embora esteja envolvida em novos processos.

A coisa complicou já nos primeiros dias do primeiro governo da presidente com a divulgação de que os filhos do Lula, ao arrepio da constituição, receberam passaportes diplomáticos.  Foi um custo a devolução desses documentos.  O ex-presidente e sua família também descansaram os primeiros dias de janeiro em uma suíte presidencial no Forte dos Andradas no litoral do Guarujá, fato no mínimo esquisito para uma pessoa comum que não era mais o mandatário maior da República. 

Passou o tempo, mas a justiça federal continua de olho nesses rebentos do Lula e suas inexplicáveis fortunas. Isso sem contar com figuras de proa do governo e empresários (todos bem arrogantes) que jamais imaginaram viver, ao menos por algum tempo, atrás de grades. 

Fiquei ainda assustado com as palavras do general José Elito Carvalho,

na época chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Dilma, que afirmou não existir motivo para se ter vergonha da existência de desaparecidos políticos no país como fruto da uma fase histórica antidemocrática. Deixo para o leitor pensar sobre esta trágica afirmação.

 É uma pena que isso está acontecendo justamente quando estamos consolidando uma longa fase de governos democráticos. É lamentável que exista entre nós uma cultura impregnada de autoritarismo e que demora a diluir-se nos dias de hoje. Tristes tempos e quantos perigosos retrocessos ainda teremos que enfrentar até podermos viver num país de fato democrático e sem privilégios?

Mesmo insatisfeito com o que vejo e leio, como um velho hábito de historiador, continuo a guardar e a catalogar recortes de jornais sobre tais notícias, acreditando que o tempo e a história colocarão as coisas nos seus devidos lugares: no panteão da glória e dos heróis ou no limbo dos cínicos.

Valmir Batista Corrêa

                                    https://www.facebook.com/jornaldacidadeonline

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Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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