Neste dia de finados, tributo a José Feghali, o pianista que encantou o mundo e projetou o Brasil (veja o vídeo com Feghali ao piano)
02/11/2019 às 21:09 Ler na área do assinanteDois filhos. Dois meninos, Fernando e José. Duas crianças. O piano que o pai comprou foi para Fernando. Mas José ficava escondido prestando atenção às aulas que a professora vinha em casa dar ao irmão, no apartamento da Rua Dona Mariana, em Botafogo, no Rio. Um dia, José disse à professora que tudo que ela havia ensinado a Fernando ele sabia tocar. Surpreendida com o que ouviu, José sentou-se ao piano e comprovou: tocou tudo, sem erro e com técnica apurada. Fernando de Almeida Feghali se tornou excelente engenheiro civil. E José de Almeida Feghali, o pianista que o Brasil e o mundo conheceram, se encantaram e aplaudiram sem cessar.
Predestinado e prodigioso, José Feghali deu seu primeiro recital de piano com 5 anos de idade. Aos 8, tocou com a Orquestra Sinfônica Brasileira(0SB) no Teatro Municipal do Rio. E seguiram-se outras apresentações. Aos 15 anos de idade, foi morar em Londres, onde continuou seus estudos na Royal Academy of Music. Em 1985 foi medalhista de ouro no Concurso Internacional de Piano Van Cliburn, nos Estados Unidos, tornando-se o segundo e último brasileiro a vencer aquele concorrido certame. E nos EUA Feghali fixou residência em Fort Worth, no Texas, tornando-se desde 1990, professor de piano da Escola de Música da Universidade Cristã no Texas.
O magistério, porém, não alterou a rotina de concertos por todos os estados da América do Norte e pelo mundo: Canadá, México, Reino Unido, França, Portugal, Holanda, Espanha, Áustria, Alemanha, Itália, Polônia, Turquia, China…Feghali se apresentou com as mais importantes orquestras: Filarmônica de Berlim, Concertgebouw de Amsterdam, Rotterdam Philarmonic, Gewandhaus de Leipzig, BBC Philarmonic, London Symphony, Birmingham Symphony, Sinfônica Nacional da Espanha, Filarmônica de Varsória, Sinfônicas de Xangai e Pequim….
José Feghali sempre vinha ao Rio para estar perto de sua mãe, Senhora Áurea de Almeida Feghali, do irmão Fernando, perto da família, dos amigos e para apresentações por todo o país. Em todos os seus recitais, onde quer que fossem, sempre tocava peças de compositores brasileiros, previamente incluídas no programa ou como “bis”: Ernesto Nazareth, Francisco Mignone, Heitor Villa Lobos… Feghali foi um apaixonado pelo nosso Brasil e pelos talentos musicais brasileiros. Feghali foi um embaixador que divulgou a cultura musical nacional e projetou nosso país.
Anos e anos atrás, após ter sido o solista, à tarde, do dificílimo Concerto Para Piano e Orquestra nº 3 de Sergei Prokofiev com a OSB no Teatro Municipal, Feghali ofereceu, naquela mesma noite de sábado, um concorrido jantar para familiares e amigos em um restaurante em Botafogo. Conhecendo-o bem e sabendo que José era uma pessoa muito bem humorada, divertida e sem a menor vaidade, perguntei a ele, durante o jantar:
“Feghali, como você se sente tocando peças de seu próprio tio?”. Pego de surpresa, respondeu:
“Mas que tio, Jorge?”
“Mozart”, respondi. Foi quando José entendeu e nos brindou com o seu belo sorriso. Toda a família também riu muito. Era uma referência ao senhor Mozart de Almeida, irmão de sua mãe, senhora Áurea de Almeida Feghali.
Dois anos depois, num outro encontro, somente nosso, numa segunda-feira seguinte a uma outra apresentação sua no Teatro Municipal do Rio, levei José Feghali para almoçar no restaurante Assyrius, que naquela época funcionava do andar térreo do Teatro Municipal, com entradas pela Avenida Rio Branco e Avenida 13 de Maio. Chegamos por volta das 12.30 horas. O veterano maître e o dono do Assyrius anunciaram a todos a presença de José Feghali. Imediatamente, cerca de 100 pessoas que ocupavam todas as mais de 20 mesas do Assyrius, todos se levantaram e aplaudiram. E Feghali não se fez de rogado. A pedido, foi para o piano do Assyrius (um surrado Steinway & Sons) e tocou.
Nosso almoço somente começou lá pela 2 da tarde e terminou por volta das 17 horas. De lá, rumamos para a casa de José Feghali, na Rua Dona Mariana. Foi quando Feghali me presentou com dois CDs seus: “Valsas Nobres”. Em ambos, a dedicatória de próprio punho: “De um pianista para outro pianista”.
Dói, dói muito, saber que José Feghali desde o dia 8 de Dezembro de 2014 não está mais entre nós. O mundo perdeu o mais sensível, o mais talentoso, o mais portentoso, o mais elegante e belo pianista que a humanidade conheceu. A respeito da manchete do The Dallas Morning News, que indagava “O que deu de errado?”, numa alusão ao suicídio de Feghali, é Rita, uma de suas primas e admiradoras quem respondeu:
“Nada de excepcional, apenas, por um instante, a doença o venceu. A depressão endógena é uma doença que mata e pouco se fala dela”. E Rita afasta as especulações (se teria sido por outro motivo) sobre o suicídio do primo: “Acaba-se imputando ao seu fim — a morte — conjecturas, circunstâncias outras menores, que nada têm a ver com a realidade do fato” .
Nosso muito amado José Feghali (José de Almeida Feghali). Também repito a prima Rita: “Bravo, bravíssimo José”. Todos repetimos. Todos choramos. Sentida e sofrida, a humanidade agradece por tudo que você fez e pelo encantamento que nos proporcionou. Ainda me empenhei, junto a vereadores do Rio, para trocar o nome da Rua Dona Mariana (em Botafogo) para Rua Pianista José Feghali. Foi inútil. Prometeram, prometerem e prometeram. E nada foi feito. E lá se vão quase 5 anos!.
Hoje, 2.11.2019, Dia de Finados, a sepultura do notabilíssimo pianista José Feghali no Cemitério São João Batista em Botafogo, RJ, estará sendo reverenciada por multidões de fãs. Estarei lá. Vou conversar com José. A vida é eterna. E a eternidade está no Espírito e não na carne, que tem início, meio e fim. José Feghali vive.
Clique aqui e veja e ouça Feghali ao piano como solista da Orquestra Filarmônica da Universidade Cristã do Texas tocando Rapsódia Sobre Um Tema de Paganini, de Sergei Rachmaninoff.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)