A nomeação do subprocurador Augusto Aras para a chefia da Procuradoria Geral da República (PGR) trouxe um novo enfoque para o órgão, bastante criticado pelo excesso de exposição midiática na divulgação de suas descobertas, notadamente quando relacionadas às maiores figuras dos três poderes da República. As críticas não são de agora. No Judiciário começou com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, chamando a atenção para a “espetacularização” de alguns dos procuradores ao anunciarem o resultado de suas investigações.
A corrupção no governo petista, à frente o ex-sindicalista e ex-presidente da República, Lula da Silva, incentivou essa modalidade de divulgação. Para Zavascki, houve uma desnecessária exposição do que se fazia em Curitiba, não com a participação do juiz, mas do Ministério Público e da polícia Federal. Mesmo assim, o ministro negou o recurso da defesa de Lula, no que foi acompanhado pelos demais membros da turma.
Na época, Zavascki defendia que só tramitariam na Corte os processos contra pessoas com foro privilegiado. A partir daí muitas críticas vieram a público contra a instituição, com destaque para o PowerPoint do Dallagnol. Ora, o Ministério Público, como instituição do Estado, é essencial ao bom funcionamento da Justiça, defendendo os mais elementares interesses da sociedade e do cidadão. É inegável que o Estado é um todo, havendo, paralelamente aos Poderes, alguns órgãos essências, também exercendo parcelas do poder - poder e função -, sendo que, de tão estreita a relação, procura-se evitar o excesso através da desconcentração, que não deixa de ser uma forma de controle de suas atividades.
Não é sem razão, pois, que o acesso à Justiça é o reconhecimento dos direitos do cidadão e a defesa do regime democrático e do estado de direito, bem como a garantia dos direitos supra individuais (coletivos ou difusos), temas permanentes e atuais nas discussões e embates jurídicos envolvendo os membros da Instituição. Não foi sem razão que o novo Procurador-Geral fez questão de salientar, em seu discurso de posse, que a PGR atuará com “independência” e “autonomia” durante a sua gestão à frente do órgão.
No mesmo tom, o presidente Bolsonaro salientou que o MP não é apenas o fiscal da lei. Tem o dever de continuar altivo e independente. Realmente, o Ministério Público continua sendo uma instituição de decisiva importância para a democracia. Além do que já fez, muito ainda há por fazer. Impõe-se, portanto, sua atualização para que haja maior efetividade no cumprimento dos múltiplos deveres constitucionais que lhes são atribuídos. A sociedade precisa estar atenta para exigir o cumprimento de seus direitos. E o momento é esse. Se, devido a alguns excessos praticados no método de investigação e na divulgação dos resultados obtidos no âmbito da Operação Lava Jato, muitos passaram a exigir certo controle da instituição, alegando, para tanto, que ele não está submetido a nenhuma fiscalização por parte de um órgão superior, isso não autoriza cercear sua liberdade de investigação.
Mesmo que se alegue a Teoria da Separação dos Poderes para justificar o controle, - também conhecida como o Sistema de Freios e Contrapesos -, consagrado por Montesquieu em seu livro “O Espirito das Leis”, escrito com base nas obras de Aristóteles (Politica) e Locke (Segundo Tratado do Governo Civil) explicando e sistematizando a divisão dos poderes, faz-se necessário lembrar que no dia em que o Ministério Público perder a sua independência, não conseguirá promover uma eficaz e producente investigação dos chamados crimes do colarinho branco.
Controle o MP tem. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que promove a defesa do cidadão e a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do órgão e de seus membros em todo o Brasil, já o faz. Também para os que insistem que, num regime democrático, a separação dos poderes se faz necessária, lembramos que o Ministério Público não é um poder, mas sim uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do artigo 127 de nossa Carta Magna. A ele incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Nada que depender da vontade humana é absoluto. Sequer a democracia. Se hoje ela é considerada a melhor forma de governo, Platão e Aristóteles a consideravam um sistema perigoso e corrupto.
A escravidão já foi aceita como uma situação natural que excluía muitos de qualquer direito, e, até o século XX, a maioria das mulheres não era considerada cidadã. Em outras palavras, nem tudo é perfeito. Vamos esperar para ver a atuação do órgão depois que Bolsonaro resolveu ignorar a lista tríplice e escolher um procurador de sua confiança para comandá-lo. Até lá, com o respeito que os que pensam em contrário merecem, vamos esperar para ver como ele funcionará daqui para a frente.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário