Quanto mais avança a crise da sociedade brasileira, com roubalheiras vindo a tona, prisões de políticos e empresários de alto coturno, abertura de impeachment da presidente da República, desastres ambientais decorrentes de irresponsabilidade de empresas e de autoridades públicas, desemprego em massa e outras mazelas, mais fortaleço minha convicção de que as coisas só poderão mudar para melhor. Creio que atingimos o fundo do poço e agora é só retorno. Não é loucura nem ingenuidade, pois sou professor aposentado, teimoso e nostalgicamente rebelde. Meu velho coração vermelho bate mais forte com a memória afetiva de minha geração que militou no movimento estudantil nos anos de chumbo contra a ditadura militar, movido por um ideal de mudar o Brasil para melhor. Por isso, senti uma brisa fresca em minha alma alquebrada por tanta bandalheira ao acompanhar pelas midias a atitude de resistência de alunos secundaristas de 200 escolas públicas paulistas. Nada a ver com a bandeira de uma suposta e falsa esquerda que quer a revolução para alavancar seu status de classe e esconder suas contas bancárias no exterior.
Tudo começou com uma decisão do governo Geraldo Alckmin em propor uma reorganização do ensino público, que cheira as reformas neoliberais da época FHC, de triste memória que sucateou patrimônios históricos como a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e privatizou empresas importantes na história econômica de nosso país. Na proposta, em síntese, o governo quer concentrar os alunos por idade e por ciclos escolares, e com isso fechar mais de 90 escolas, transferindo mais de um milhão de alunos no próximo ano. Será que visa melhorar o ensino público paulista de péssima qualidade, ou mais uma vez só visa a cartilha neoliberal do corte de despesas?
Sem uma profunda discussão com a sociedade e com o público estudantil, numa ação surpreendente, a gurizada do Colégio Fernão Dias Paes
ocupou a sua escola, trancando os seus portões, gritando palavras de ordem contra a reforma proposta do governo estadual e em defesa de sua escola, pegando Alkmim de calças curtas. Chama a nossa atenção o fato de adolescentes, de 15, 16 e 17 anos, agirem espontaneamente e sem uma orientação política formal, com o apoio integral dos seus país que garantiram a logística dos seus “guerreiros” com cobertores e alimentos.
Como um rastilho de pólvora, em pouco tempo mais de 200 escolas foram ocupadas, não “invadidas” como declarou uma aluna na TV. A estratégia dessa ocupação extrapolou os muros das escolas e foi às ruas e avenidas com carteiras escolares e simulações de aulas. Pararam o trânsito e nos surpreenderam.
Não deu outra e mais uma vez a despreparada e violenta polícia paulista espancou e prendeu estudantes,
com a utilização de cassetetes de borracha, bombas de gás lacrimogênio e sprays de pimenta. Como prática espúria de alterar a “cena do crime”, tentou-se culpar os jovens pelas atitudes de vandalismo e destruição do patrimônio escolar como ocorreu numa escola de Osasco. Essa patifaria não convenceu ninguém. Isso me lembrou as ocorrências de 2013, quando em São Paulo muitos jovens ocuparam as ruas da capital paulista, especialmente a emblemática avenida Paulista, em defesa do passe livre para o transporte urbano dos estudantes. Depois, essa ação ampliou-se num leque de reivindicações. Surgiu, aparentemente do nada, um braço armado narcofascista para desarticular essas manifestações, bandidos mascarados, destruindo o patrimônio público e privado pelas imediações das passeatas, mas apenas acompanhados de perto pela polícia. Eram esses black blocs pessoas deliberadamente infiltradas, ou policiais camuflados de preto? Agora, a polícia agiu abertamente batendo, algemando e prendendo adolescentes, que certamente não são pivetes nem bandidos comuns, apenas estudantes...
Em nenhum momento os jovens paulistas e seus pais receberam apoio da histórica União Nacional dos Estudantes. Onde está a velha e aguerrida UNE? Criada nos idos de 1938, a UNE amealhou um passado de lutas e glórias em defesa da democracia e contra o autoritarismo. Infelizmente, a entidade que tanto nos orgulhou hoje está recolhida à sombra do estado em virtude do aparelhamento político a que se submeteu recentemente. Assim, a UNE perdeu a sua identidade e a sua independência e só tem servido para eleger deputados e senadores, abraçando a causa da situação, o mesmo que ocorreu com o movimento sindical.
Como diria um personagem cômico do Jô Soares, a UNE “amancebou-se”. Mas a primavera dos estudantes, posto que tardia, iluminou o futuro deste país. Viva os estudantes!
Valmir Batista Corrêa
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Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.