Agora, criminoso poderá dizer ao juiz: "cuidado, se mandar me prender quem pode ir preso é você"

25/09/2019 às 10:03 Ler na área do assinante

O presidente Jair Bolsonaro vetou, mas o Legislativo derrubou o veto e o texto do artigo 9º dessa nova Lei de Abuso de Autoridade prevalece e ingressa na ordem jurídica nacional, para a desgraça da Nação, para o fortalecimento dos criminosos, para o recrudescimento da violência urbana e para o enfraquecimento da magistratura e de todo o Judiciário.

O texto vetado e agora restabelecido pelo Congresso é do seguinte teor:

“Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais - Pena: detenção de 1 a 4 anos e multa”.

Ora, este artigo deixa a magistratura, e fundamentalmente os juízes de primeira instância, amedrontados, manietados, por tirar-lhes a liberdade de decidir sobre a decretação da prisão de uma pessoa. É curioso que o artigo pune tão somente o magistrado, pois só o juiz pode ordenar a prisão de alguém. Mas não pune aquele que pediu a prisão, no caso o promotor de justiça e/ou o delegado de polícia, através da representação. Isto porque juiz só decide pela prisão de um réu, de um indiciado, de um investigado, de um flagrado na prática criminosa, quando a prisão for pedida ao juiz.

É sempre preciso que a prisão seja pedida para que seja decretada. Sem pedido de prisão, juiz algum pode mandar prendem alguém. Mas esta nova lei faz terrível carga apenas contra o juiz. Nada mais injusto.

Nada mais decepcionante. Nada mais desanimador e desencorajador para o combate à criminalidade. E nada mais auspicioso para a bandidagem que, doravante, poderá apontar o dedo para o rosto do juiz e dizer, em voz alta e bom som:

“Cuidado, seu doutor, se mandar me prender, quem pode ser processado e ir preso é o senhor”.

Sim, é isso mesmo. É uma constatação dura e revoltante. Bastará o juiz decretar uma prisão que mais tarde - ou logo em seguida - venha ser revogada pela instância superior, para que o juiz venha se sentar no mesmo banco que sentou aquele que o juiz mandara prender: o banco dos réus!!!

Vamos a um caso recentíssimo e concreto e que aconteceu dias atrás.

O casal de ex-governadores do Rio, Garotinho-e-Rosinha, foi preso e recolhido ao cárcere. E menos de 24 horas depois, Garotinho e esposa foram soltos por ordem de um desembargador. Quem garante que os ex-governadores não abririam um processo criminal contra o juiz que mandou prendê-los, se esta nova Lei de Abuso de Autoridade já estivesse vigente quando as duas prisões ocorreram?

Este artigo 9º, que o presidente Bolsonaro vetou e o Legislativo derrubou o veto, é de uma heresia, de uma bestialidade sem tamanho. Isto porque, toda e qualquer prisão decretada e que venha ser revogada através de recurso ou de Habeas Corpus, a revogação sempre decorre por ter sido ela decretada em “desconformidade com as hipóteses legais”. Sempre, sempre e sempre. Não haverá nenhum outro motivo para a sua revogação, a não ser por ter sido a prisão decretada em confronto às hipóteses legais. Sem confrontação, a prisão será sempre justa, devida e legítima. Dessa forma, todo juiz que tiver revogada ordem de prisão que decretou estará sujeito, segundo esta nova lei, a ser processado, condenado e levado à prisão para cumprir pena de 1 a 4 anos de detenção, além de multa. E mais: além de ficar sujeito a pagar indenização por dano moral àquele que ordenou seu recolhimento ao cárcere.

Perdão, mas isto não é justiça. Isto é mordaça. Isto é constrangimento. Isto é o rebaixamento e a perda da independência de toda a magistratura nacional.

Isto é colocar o juiz e o réu, acusado, indiciado ou investigado, no mesmo nível, na mesma posição, na mesma igualdade de condições.

Não. Não está correto. Quando esta lei for submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal, muitos dos vetos do presidente Bolsonaro voltarão a prevalecer. E muitos outros artigos também serão considerados inconstitucionais.

É questão de tempo para que isto venha ocorrer.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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