Naquela fatídica e turbulenta quarta-feira, 25 de novembro de 2015, coube ao ex-presidente do Congresso Nacional, o simpático senador Garibaldi Alves Filho (PMDB/RN), as palavras que melhor poderiam traduzir o cenário e o clima do Senado Federal após a histórica prisão do petista Delcídio do Amaral (PT/MS), líder do governo. Ladeado e amparado pela gaúcha Ana Amélia Lemos (PP/RS), pausadamente, o potiguar Garibaldi exprimiu o misto de tristeza e angústia, solidariedade e constrangimento, que sacudiu a vida pública brasileira desde as primeiras horas da manhã daquela quarta-feira. Um dia que, em absoluto, não será esquecido, mesmo num país quase sem memória.
O espanto percorreu os corredores de todas as instâncias de poder da República, inclusive — e muito especialmente — na imprensa brasileira. Para além de líder do governo Dilma Rousseff e parlamentar que contava com a simpatia e abertura ao diálogo político com quase todos os partidos governistas e oposicionistas, Delcídio do Amaral era uma extraordinária e confiável “fonte” para os jornalistas. O senador e sua equipe de gabinete sempre renderam à imprensa a mais respeitosa deferência e, óbvio, muitas informações fundamentais que povoaram as manchetes mais lidas na última década.
Justo por isso, ficou nítida a enorme dificuldade de jornalistas, colunistas, apresentadores e comentaristas em misturar Delcídio às duras e emblemáticas palavras da ministra Cármen Lúcia: “Houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Pena 470 [o Mensalão do PT] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. [...] Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e juízas do Brasil. [...] Não passarão sobre a Constituição.”
Contrariando as palavras da vice-presidente do STF, a gravação que ceifou a carreira política de Delcídio e atingiu o peito do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, não revelou apenas as entranhas dos Poderes. O que foi dito e sagazmente gravado no dia 04 de novembro, na luxuosa suíte executiva do Hotel Golden Tulip — que fica a menos de 200 metros do Palácio da Alvorada, residência oficial da presidente da República, vale destacar! —, expôs a realidade do aparelhamento das instituições do Brasil: um senador negociando a fuga de um presidiário; negociatas envolvendo votos de ministros da Suprema Corte; suspeição grave sendo lançada sobre a atuação do vice-presidente Michel Temer; criação de contratos falsos com o banco de investimentos para financiar um “mensalão” de R$ 50 mil para a família de um “companheiro” preso; e, pior e principalmente, a revelação bárbara de que o senador e o banqueiro tiveram acesso privilegiado ao depoimento sigiloso de Nestor Cerveró.
Quem cometeu este grave crime de vazamento de documentos altamente sigilosos? Algum agente da Polícia Federal? Um dos ministros do STF? Alguém da força-tarefa da Justiça Federal no Paraná? Algum apaniguado político instalado no gabinete da Procuradoria-Geral da República? Quem vazou? É importante ter uma resposta porque outros documentos carimbados pelo fundamental sigilo das investigações podem estar caindo nas mãos e sendo utilizados justamente pelos maiores criminosos da nação, hoje na mira da Operação Lava Jato. Noutras palavras: os criminosos estão, ainda e por enquanto, passando sobre a Justiça! E mais: estão aniquilando irremediavelmente a República.
A situação do Brasil é de tal gravidade que, neste exato momento, a única forma de preservar minimamente a institucionalidade e a democracia do país passa pela renúncia imediata de todos os chefes dos Três Poderes. Cumpre reiterar: todos! Para mais ou para menos, Dilma Rousseff, Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski estão misturados ao que o ministro decano Celso de Mello fez questão de classificar como “projeto criminoso de poder”. Como é impossível que esses seres tenham a dignidade de renunciar, o que se desenha no horizonte da nação é uma gravíssima convulsão social, seguida por uma séria ruptura da institucionalidade. Ao PT, morto, resta a sepultura da História, onde será lembrado por seus crimes, não por suas conquistas.
Se a prisão do senador Delcídio do Amaral promoveu o maior número de cenhos franzidos e olhares cabisbaixos jamais vistos no Parlamento brasileiro, o fato também exibiu a dimensão da covardia do Partido dos Trabalhadores — em cirúrgica definição de Renan Calheiros (PMDB/AL) — que, através de seu presidente Rui Falcão, emitiu nota imediata executando sumariamente uma sentença de morte política contra o senador preso. Uma gente que ainda celebra Dirceu, Delúbio, Genoíno e Vaccari, todos condenados pela Justiça, mas não tarda a atirar na cabeça de Delcídio. Por que será? Dizem por aí que o PT e o Palácio do Planalto querem colar no mais recente “companheiro” preso a alcunha de “senador pelicano”, mezzo petista, mezzo tucano. Conversa fiada! A verdade é que o PT teme, profundamente, que Delcídio seja o verdadeiro epitáfio do partido e de seus métodos criminosos, antidemocráticos e nada republicanos.
HELDER CALDEIRA
Escritor e Jornalista Político
www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br
*Autor dos livros “Águas Turvas” e “A 1ª Presidenta”, entre outras obras.
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Helder Caldeira
Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista
*Autor dos livros “Águas Turvas” e “A 1ª Presidenta”, entre outras obras.