O dogmatismo da mensagem diacrônica.
Começo pelo vídeo que está ao final deste texto.
Pulular pensamentos velhacos e cansados é, num certo tempo e jeito, uma maneira ruim de tentar provar que 2 não é 2, que pau não é pau, que gente não é gente. É sublimar conceitos exóticos, exortando a falsidade intelectual que é de dar náuseas, quase tédio, um aborrecimento repugnante. Melhor ser crítico – e criticado – e verdadeiramente real, e tratar fato como fato e não impressão como fato; uma coisa determinada jamais será indeterminada. Tentar estar acima ou abaixo da razão, só tem sentido para quem desconhece a razão, a ignora e se prende unicamente no que os sentidos humanos transferem para um cérebro mole, exangue, incapaz de pensar e, por via de consequência, absolver a mente e o corpo do remorso ou qualquer sentimento de culpa ou arrependimento – se a mente é inane o corpo não se ressente também.
O pensamento não está onde as ações humanas se desenvolvem impulsionadas pela exclusividade mecânica de um amontoado de dogmas que filtram e direcionam para ações desprovidas de razão. Refletir só é permitido para os que se valem da razão e não se prestam a serem preguiçosos intelectuais – aqueles que jamais usam os ‘por quês’; estes, geralmente, pautam suas condutas e atitudes baseadas em premissas erradas; são tocadas de lado a lado por um código moral que, n’algum momento, confirmou-se na crença do incognoscível desencadeando uma conjunção de assuntos irreconciliáveis com a realidade, de tal modo que, tornam suas vidas um desperdício para o planeta que está neste mundo e não fora dele.
Mas até onde é possível agir exclusivamente movido pela razão ou, exclusivamente pela paixão? O conflito de direitos é da natureza da incapacidade ou da impossibilidade da conjugação harmoniosa entre o homem e a natureza?
Pois é, o sexo é bom, é saudável, é prazeroso. Não vá ninguém dizer que o sexo serve só a reprodução, a não ser que esteja encapsulado pela dogmática do exotismo cristão. Não há problema na escolha, mas sim, na falta dela; e, escolha, é um privilegio concedido pela razão. Permanecer virgem não faz mal nem bem; não permanecer virgem, igualmente. Concordo, o corpo pertence a quem o tem, é matéria que, a partir de crenças ou na ausência delas, tem alma ou não. Pouco importa para o que vai aqui.
A campanha “Meu corpo, minhas regras”, já no lead não se aperfeiçoa por estar desprovido da essencial razão e, portanto, é contraditória. O feto não é corpo de ninguém, a não ser dele próprio, e por ser sujeito de expectativa de vida e de direitos, está protegido pela lei, lei que essas abolicionistas da vida pretendem defenestrar pela janela da amoralidade, em nome do que consideram um direito supremo: a escolha de ser ou não ser mãe.
Pois, bem! Ninguém quer tomar o corpo de ninguém e nem se pretende que o Estado permita que se faça o mesmo a todos indiscriminadamente, incluídos aí, os fetos. Ah!... Mas o mundo já está cheio de crianças desamparadas, desprovidas de amor de pai e mãe, entregues a própria sorte... Enfim, é verdade! Mas, se estão assim, é também, em parte, pelas mesmas razões que os fizeram vir à luz: o sexo. Não o sexo do amor e do prazer, mas o sexo da irresponsabilidade, da insensibilidade, do sexo pelo sexo, da satisfação efêmera de uma noite, uma hora, de alguns minutos, do descuido, da hipocrisia, concorrente com a ineficácia de um Estado orientador. Essas mulheres que pretendem seus úteros esvaziados, nem deviam tê-los, quanto mais, os provido de vida, vida que não lhes pertence, vida alheia.
Nas excepcionalidades da atual previsão legal, o aborto já é em si uma agressão bárbara. Por que torna-lo um ato voluntário de mera vontade que prescinda de qualquer valoração prévia?
O momento do assassínio do feto será movido pelo mesmo tesão que o concebeu?
A não ser naquelas condições de excepcionalidade da antijuridicidade do agir, o aborto está posto bem mais próximo da premeditação e do dolo. Legalizar seria concordar com a vontade livre e consciente de impedir a existência do nascituro que está em franco processo de desenvolvimento intrauterino.
Do modo como se comportam essas feministas apresentam-se xenófobas do embrião, adoradoras do desprezo pelo mais elevado fundamento e garantia de qualquer pessoa – ainda que nem pessoa em sentido legal seja. Sem vida não há pessoa, sem pessoa não há por que existir outro fundamento ou garantia. É o nada, é o zero, ou o caminho para vazio, para o niilismo, o retorno ao ponto de partida. Que droga significa isso, então?
Volte ao início do texto, se necessário, e afirme que não há vida no útero fertilizado? Na negativa, afirmas ignorância e, na afirmativa confirmas o desprezo pela vida que não é sua, não te pertence, portanto, não pode ser objeto direto que liga o corpo da mulher à escolha da vida daquele que ainda não nasceu.
Direito à vida
A proteção ao bem maior do ser humano, “bem”entendido como vida, tem fundamento na Lei Maior e, não por acaso, precede todos os demais direitos fundamentais.
Pontes de Miranda legou-nos o ensinamento de que o direito à vida é indispensável ao desenvolvimento da pessoa humana e o classificou como um fundamento supraestatal procedente do “Direito das Gentes” ou “Direito Humano no Mais Alto Grau”. Ou seja, para o renomado e respeitado jurista, tal direito está acima do poder do Estado. Entretanto, como já citei alhures, é nas excepcionalidades que a lei folga e entrega a vida ao campo das relatividades como, por exemplo, a pena de morte em tempo de guerra; é uma decisão de Estado. Noutras situações, para voltar ao tema, a gravidez decorrente de estupro faz da mulher senhora do direito de decidir pelo aborto, com a proteção do Estado que exclui a responsabilidade criminal, em nome de outro direito que, no caso, sobrepõe-se à vida, qual seja, a dignidade da pessoa humana. O legislador brasileiro foi mais além e relativizou outras tantas circunstâncias excludentes de ilicitudes, motivado pelo reconhecimento de situações que exigiriam do agente que comete um homicídio (art. 121 e seguintes do Código Penal Brasileiro) agir como agiu, quando não lhe restava alternativa – consciente ou inconsciente –, para preservar a sua própria vida, como no Estado de Necessidade, na Legítima Defesa, no Estrito Cumprimento de Dever Legal ou no Exercício Regular de Direito. Ou exceções supralegais como “A inexigibilidade de Conduta Diversa como Excludente de Culpabilidade”.
O aborto, igualmente comporta exceções. Entre elas: o aborto terapêutico, quando a vida da mãe está em risco decorrente da própria gravidez; o aborto humanitário ou piedoso, quando, em nome da dignidade da pessoa humana, a mulher violentada (como já citado) pode decidir pela interrupção da gravidez sob a proteção do Estado e, o aborto eugênico em confronto com a anencefalia (assunto bastante recente e notório).
Para refletir
Ainda que a lei brasileira permita exceções, para o assunto em testilha, julgo bastante relevante lembrar aqui as palavras de “Afrânio Peixoto” atuando tal qual speak out em relação ao sentido da piedade ou humanitarismo como causas de consentimento estatal do procedimento abortivo por decisão da gestante. Diz, ele:
“É santo o ódio da mulher forçada ao bruto que a violou. Concluir daí que este ódio se estenda à criatura que sobreveio a essa violência, é dar largas ao amor próprio ciumento do homem, completamente alheio à psicologia feminina. Um filho é sempre um coração de mãe que passa para um novo corpo”. (apud Frederico Marques, Tratado de direito penal, v. 4, p. 219).
A Gravidez
Antes, porém, não há que se falar em aborto sem alcançar o entendimento de gravidez.
A gravidez é considerada iniciada uma vez fixado o óvulo na cavidade uterina. A isto se dá a significação de nidação. Entre a fecundação do óvulo (que acontece na Trompa de Falópio), e a nidação, há um espaço temporal de cinco a doze dias, variável de mulher para mulher. Uma vez fixado o óvulo fecundado, está iniciada a gravidez. É a partir desse instante que, provocada ou não provocada, a interrupção do processo gestacional se terá considerado consumado o aborto. Em resumidas palavras, aborto é a cessação da gravidez, cujo início se dá com a nidação, antes do termo normal, causando a “morte” do feto ou embrião. Há um propósito no grifo e no destaque da frase antecedente. Lê-se lá: Morte do Feto ou Embrião. Ora, é a ciência médica que o diz: morte do feto ou embrião. Só se pode matar o que tem vida. Então, os argumentos de que a gravidez (em seu conceito já conhecido acima) interrompida no princípio não implica em morte de nada, cai por terra. Por outra: lê-se lá, morte do “feto” ou “embrião”, derruba a tese de que feto ou embrião ainda não é pessoa viva e, portanto, não há que se falar em matar alguém que, para os defensores do aborto, ainda não tem sentimentos, sentidos, consciência, sofra dor, entendimento etc.
É bem verdade que, para o Direito Positivado, pessoa é o ser humano nascido vivo e assim permaneça ou, que, ainda que, respire por fração de segundo após vir à luz e morra em seguida. Mas é verdade também que, o mesmo Iuris protege o nascituro desde a sua concepção (nidação).
Tome-se o artigo 2º do Código Civil Brasileiro: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Há muito, a legislação pátria cuida da proteção dos que estão por nascer. Exemplo disso é a Lei n. 8.560/1992, portanto, anterior ao Código Civil de 2002, que no seu artigo 7º, protege o direito de alimentos provisionais ou definitivos ao nascituro, como se já nascido fosse.
Trouxe alguns poucos exemplos de que ao nascituro há larga proteção estatal, incluindo-se no rol, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos seus artigos 7º e 8º, conforme transcrevo, respectivamente: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” “É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal”.
Em suma, sendo uma vida de fato, o nascituro – feto ou embrião –, tal qual qualquer pessoa nascida viva, é sujeito de direitos e garantias, conforme as previsões protetivas legais.
Sei, porém, que, diante de todos bastantes argumentos, não serei eu a convencer alguém qualquer cuja convicção esteja formada e veja no aborto um direito que deva ser contemplado indiscriminadamente e fundamentalmente. E não posso assentir com a premissa “Meu corpo, minhas regras”; não quando a proposição é tão francamente contrária às evidências, reforçando de modo inequívoco que é capaz de rechaçar qualquer construção axiomática nascida de um cérebro supragenial que possa existir. Um corpo dentro de outro corpo não forma um só corpo; quando muito, interagem ambos em benefícios próprios obedecendo a uma lei natural.
Escolha e Sacrifício
“A verdade é o reconhecimento da realidade e a razão é o único meio de conhecimento de que dispõe o homem, seu único padrão de verdade”. (Rand, Ayn : A revolta de Atlas, vol. III, ed. , p. 339)
Um animal irracional preserva a sua vida movido pelo instinto, o mesmo que o faz buscar a plena felicidade quando caça o seu alimento e sacia a sua fome, busca a água e sacia a sua sede, busca a sombra para o seu descanço, a trincheira para a sua segurança. Esses são os principais motivos da felicidade de viver para um animal irracional. Já, o homem, é dotado da racionalidade que lhe permite fazer escolhas buscando, sempre, por óbvio, a felicidade. O homem que se impulsiona pelo mero instinto, pela espontaneidade independente de reflexão, alcança não mais que fracassos, desilusões, remorsos, fadiga e absoluto obscurantismo acerca de sua existência fútil, inexpressiva, que nada cria nem agrega, que não inventa ou cria, nem aperfeiçoa o que já existe; é um não contribuinte para a humanidade.
Alguns, para purgar a culpa, entregam-se aos sacrifícios na esperança da remissão de suas vidas vazias ou buscam escolhas instintivas – não refletidas – tentando um lugar ao lado dos que são convenientes à existência humana e justificam as suas vidas.
O problema é que, nem os sacrifícios nem as escolhas, são bastante melhores do que suas miseráveis vidas, porque estão afastadas continuadamente das reflexões. Alguns homens não sabem definitivamente usar as suas mentes.
“Nem a vida nem a felicidade podem ser alcançadas pela busca de caprichos irracionais”. (idem, p. 332)
“Vocês falam em ‘instinto moral’ como se fosse um atributo independente que se opusesse à razão”. “A razão do homem é sua faculdade moral”. “Um processo racional é um processo de escolha constante em resposta à pergunta: verdadeiro ou falso?” (idem, p. 339)
“Um processo racional é um processo moral”. (idem, p. 340)
Não obstante qualquer argumento que eu apresente me faça acreditar que mudarei as escolhas das mulheres de úteros vãos e mentes oscas, me resta a esperança de que talvez se engravidem de sensibilidade e tragam à luz algo moral.
JM Almeida.
JM Almeida
João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas.