A intolerância é a política dos interesses escusos
30/07/2019 às 05:59 Ler na área do assinanteO jurista e professor Ives Gandra Martins, em excelente artigo, afirmou que todas as manhãs, ao ler os jornais, fica irritado com as notícias que privilegiam a periferia nas manchetes jornalísticas. Segundo ele, além de não mostrar os fatos como realmente são, determinada imprensa enaltece os crimes cibernéticos e faz de seus autores heróis nacionais.
Um desses “heróis” não só desafiou o Congresso como o próprio governo, inclusive o Judiciário. A imprensa o apresenta como sendo regiamente financiado para destilar, a conta-gotas, o produto dos seus crimes.
A irritação do ilustre jurista aumenta quando ele percebe que os jornais, que deveriam dar aos fatos a sua real dimensão, manipulam as notícias de acordo com os seus interesses, não só protegendo os criminosos cibernéticos como acusando as autoridades de prática de crime funcional.
Tão espetaculares são as manchetes que as edições, que podem estar adulteradas, são tidas como verdades incontestáveis. Poucos se lembram de que já vivenciamos período semelhante, que, por sinal, terminou em tragédia. Em 1921, alguns jornais publicaram duas cartas atribuídas ao então candidato a presidente da República, Artur Bernardes, cujo episódio ficou conhecido como o caso das “cartas falsas”.
Na época, foi constituída uma Comissão para fazer o exame pericial dessas cartas, nas quais Bernardes atacava os militares e acusava o Exército de ser formado por elementos “venais”. Além disso, chamava o marechal Hermes da Fonseca de “sargentão sem compostura” e apelava pelo fortalecimento de sua candidatura. Essas cartas, tais quais as mensagens dos hackers de hoje, foram tidas como verdadeiras, embora falsas, como se provou mais tarde.
No dia seguinte ás publicações, a Assembleia extraordinária do Clube Militar, sob a presidência do marechal Hermes e com a presença de 690 militares, referendou as publicações e pediu a Artur Bernardes que desistisse da candidatura para apoiar o então candidato da oposição, Nilo Peçanha. Bernardes negou ter escrito as cartas, mas o jornal Correio da Manhã, com a mesma intolerância da imprensa atual e sem verificar devidamente a autenticidade das cartas, continuou publicando-as de forma sensacionalista, com o único objetivo de apoiar o marechal Hermes e ajudar Nilo Peçanha.
A partir daí a situação se tornou crítica. O Clube Militar formou uma nova comissão para realizar um exame pericial mais acurado das cartas, cujo resultado foi pela sua falsidade. Mesmo assim, o general Ximeno de Villeroy, inconformado com o desfecho, passou a fazer apelos sediciosos, conclamando a nação contra “os insultos de um politiqueiro de baixa estofa”, levando a comissão a retificar sua declaração anterior.
As “cartas falsas” serviram como advertência de que Bernardes, se eleito, não aguentaria “24 horas no Catete” (sede do então governo). Apesar dessas ameaças, Bernardes derrotou Nilo Peçanha. A oposição, insatisfeita, propagou que iria articular um “tribunal de honra” para fazer uma recontagem dos votos. Apesar desse inconformismo, Bernardes assumiu o governo e, para assegurar seu domínio sobre as traumatizadas Forças Armadas, nomeou homens fiéis para postos chaves, sem, no entanto, aplacar a tensão entre a oficialidade.
E o pior é que, nesse período turbulento, o vice-presidente eleito na chapa vitoriosa morreu repentinamente. Nilo Peçanha e a Reação Republicana defenderam que o cargo vago fosse ocupado por J.J. Seabra, mas, diante da negativa do Supremo Tribunal Federal, o Congresso decidiu por novas eleições, que consagraram o pernambucano Estácio de Albuquerque Coimbra.
O fim, todos conhecem. Nossos representantes, partidos políticos, empresários e a mídia em geral, até hoje vivem sob o impacto do discurso do ódio e da intolerância. A agressão de um deputado federal chamando o ministro da Justiça de ladrão é uma prova. Em vez de se viver o processo político pressupondo confiança nas instituições, a quebra do consenso, acentuada nas edições supostamente aditadas e publicadas de forma sensacionalista, produziram um ambiente fértil para a intolerância.
As mensagens divulgadas foram seguidas por uma onda de compartilhamento de notícias falsas que abalou o país. Desde junho o Brasil vive um clima de instabilidade institucional em razão do vazamento dessas supostas conversas entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava jato. Um dos propósitos era e ainda é desmoralizar a Lava Jato e libertar o ex-sindicalista Lula da Silva. Com o desencadeamento da “Operação Spoofing”, a Polícia Federal descobriu que existem outros propósitos, bem como quem são os financiadores desses crimes. Mesmo assim, a intolerância continua, agora agravada com as interpretações feitas sob encomenda.
O professor tem razão.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário