Tragédia ambiental & Terrorismo

21/11/2015 às 06:08 Ler na área do assinante

O rompimento de uma barragem de rejeitos e o transbordamento de outra (Fundão e Santarém), que faziam parte da Mina de Germano, de propriedade da empresa Samarco, lançou mais de sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro (equivalente a 24 mil piscinas olímpicas) ao longo de mais de 500 quilômetros na bacia do Rio Doce, a quinta maior do Brasil. A catástrofe aconteceu no distrito de Santa Rita Durão, município de Mariana, MG, deixando sete mortos, 15 desaparecidos e mais de 500 desabrigados, pelo noticiário oficial.

A Samarco Mineração S.A.

é uma empresa controlada por uma joint-venture entre a Vale S.A. (brasileira) e a BHP Billiton (anglo-australiana), cada uma com 50% das ações. A empresa, entre 2010 e 2014, teve um lucro de R$ 13,3 bilhões. Representantes da mineradora, em entrevista à imprensa, declararam haver risco iminente de rompimento das estruturas remanescentes, mas depois voltaram atrás declarando que não havia risco.

A Folhapress divulgou que “O Brasil tem ao menos 16 barragens de mineração que são inseguras, segundo dados oficiais de relatórios do DNPM. O levantamento atualizado pela última vez em abril de 2014 mostra que essas barragens estão em municípios dos Estados de Minas Gerais, Amazonas e Pará”.

Segundo Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da UFRJ, “esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. Nada se constrói ali porque é um material mole, que não oferece resistência. A região vai virar um deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar”.

O Rio Doce foi transformado em uma correnteza espessa de terra e areia,

interrompendo o fornecimento de água para cerca de 500 mil pessoas. O professor Marcos Vinicius Polignano, da UFMG, diz que um dos mais graves efeitos é o assoreamento de rios e riachos que ficam mais rasos e têm seus cursos alterados pelo aumento do volume de lama: “É algo irreversível porque não tem como retirá-la de lá”.

O interessante é que, de certa forma, o prefeito de Mariana, o governador de Minas Gerais e a presidente da República se solidarizaram com a Samarco porque ela é grande pagadora de impostos e a mais importante geradora de empregos da região.

A Vale S/A (antiga Vale do Rio Doce) e suas subsidiárias (incluindo a Samarco) são grandes financiadoras de campanhas eleitorais. Três comissões parlamentares (uma federal e duas estaduais) foram constituídas para avaliarem a “tragédia ambiental”. Na Câmara dos Deputados, 13 dos 19 membros da comissão foram beneficiados por doações em valores que vão de R$ 465 a R$ 500 mil; na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – cinco dos nove membros da comissão receberam doações que somam R$ 368 mil; na Assembleia Legislativa do Espírito Santo sete dos 15 membros da comissão receberam R$ 428 mil. O total das doações às campanhas dos membros titulares das comissões criadas para “acompanhar e monitorar os desdobramentos dos desastres ambientais” totalizam R$ 2,6 milhões.

O Espírito Santo tem uma bancada de 10 deputados federais, dos quais oito receberam doações do grupo Vale. Entre os 53 deputados da bancada mineira na Câmara dos Deputados, 33 foram beneficiados com contribuições diretas ou indiretas da empresa. Os deputados estaduais, os prefeitos e os vereadores da região também foram contemplados.

Nas últimas eleições o grupo Vale gastou R$ 80 milhões em doações, que beneficiaram três candidatos a presidente, 18 a governador, 19 a senador, 261 a deputado federal e 599 a deputado estadual. As doações beneficiaram políticos de 27 das 35 legendas em atividade.

Portanto, suas excelências dificilmente farão qualquer manifestação de censura à empresa Samarco, apesar da multa decretada pelo IBAMA. Enquanto os brasileiros assistiam o desastre ambiental de proporções assustadoras, a Europa enfrentava a fúria do fanatismo religioso jihadista. Os políticos, por um momento, respiraram aliviados porque os noticiários sobre o impeachment de Dilma, a cassação de Eduardo Cunha e a Operação Lava Jato foram deixados em segundo plano.

A palavra “jihad”, em árabe, significa esforço. Mas no islã pode significar a luta interna de um indivíduo contra instintos básicos, ou o esforço para construir uma sociedade muçulmana. Significa, sobretudo, “uma guerra pela fé contra os infiéis”. A BBC divulgou que mais de cinco mil pessoas, no mundo, morreram no mês de novembro como resultado da atuação do “jihadismo”.

Não se pode confundir jihadistas com mulçumanos. Os jihadistas dividem o mundo em “reino do islã” (dar Al-Islam) – terras sob a lei muçulmana, e o “reino da guerra” (dar al-harb) – terras que não seguem a lei muçulmana, onde a guerra em defesa da fé pode ser aprovada. Nem todos os jihadistas querem a mesma coisa e os muçulmanos, a rigor, objetivam o reordenamento da sociedade de acordo com a lei islâmica (sharia) e não pregam a violência coletiva.

Os jihadistas

procuram estabelecer estados islâmicos em seus países de origem, como é o caso do Boko Haram (Nigéria) e o Movimento Islâmico do Uzbequistão. Entretanto, o autodenominado “Estado Islâmico” quer demolir as fronteiras estabelecidas pelo Acordo de Sykes-Picot (1916), que delimitou as zonas de influência britânica e francesa no Oriente Médio após a Primeira Guerra Mundial.

O EI já declarou a criação de um califado que se estenderia pelo leste da Síria até o oeste do Iraque. Califado seria um território governado pelo califa (substituto de Deus na Terra), de acordo com a sharia.

Os jihadistas recriminam a França pela proibição do véu islâmico nas escolas e pela participação na coalização contra o Estado Islâmico e, há um ano, atacam com violência o país. Em janeiro promoveram atentados contra a revista Charlie Hebdo, uma policial e um supermercado – 17 pessoas morreram; em junho um homem decapitou seu empregador e, agora com novos atentados em vários pontos de Paris.

Os ataques contra a França e a derrubada de um avião russo são um grito de alerta para toda a humanidade. São ações suicidas fruto de um radicalismo inexplicável, associado à revolta e ao rancor de jovens socialmente discriminados nas grandes cidades do neoliberalismo materialmente rico. São pessoas fragilizadas pelas adversidades, sem perspectivas, que partem para uma vingança indiscriminada. Esse atentado foi um verdadeiro ato de guerra desencadeado contra uma população desarmada e despreparada para violência que deixou 129 mortos e 352 feridos (99 em testado grave).

Segundo o serviço de inteligência francês, esses atos suicidas foram organizados por grupo de extremistas islâmicos de Molenbeek, distrito próximo a Bruxelas (Bélgica). Foram praticados de uma só vez para gerar impacto emocional de grande efeito no mundo não islâmico.

Entretanto, analistas políticos começam a fazer comparações preocupantes, mostrando que a violência cotidiana praticada pelos jovens excluídos nas grandes cidades do mundo é mais, ou tão destruidora quanto o terrorismo. No Brasil, por exemplo, os resultados são mais aterradores que os observados em Paris porque, só em 2014, ocorreram 58.559 assassinatos, o que representa 160 mortes por dia, quase sete por hora. E como são praticados cotidianamente, a sociedade já assimilou como sendo normal.

A reação da França foi rápida e dura, mostrando que não se brinca com uma potência militar. A força aérea francesa bombardeou Raqqa, cidade no centro-norte da Síria, chamada de Capital do Estado Islâmico. No intervalo de uma hora houve 20 ataques aéreos, partindo de bases na Jordânia. No decorrer da semana aviões franceses e russos bombardearam quase que initerruptamente o território sírio. Não se sabe quantas pessoas morreram e quais foram os danos materiais. A coalizão antijihadista liderada pelos Estados Unidos declarou ter destruído 116 caminhões-tanque usados pelo grupo Estado Islâmico no leste da Síria, e o Egito, por sua vez, anunciou ter matado 24 militantes do grupo Província do Sinai, afiliado ao EI. Em represália, os jihadistas atacaram um hotel em Mali deixando 18 mortos.

A destruição brutal, entretanto, não resolve o problema porque o inimigo está disseminado por todas as partes do mundo, é quase invisível. É a pior guerra da história e aterroriza a humanidade dita civilizada. A intolerância de ambos os lados tende a agravar o conflito.

Ao que parece o planeta Terra está passando por uma dolorosa e longa fase de transição humana e material.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

                                         https://www.facebook.com/jornaldacidadeonline

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