Dois momentos cruciais no discurso de Bolsonaro: um ministro evangélico para o STF e a questão da homofobia

01/06/2019 às 11:41 Ler na área do assinante

Nesta sexta-feira (31) o presidente Jair Bolsonaro, ao discursar para uma multidão de fiéis que compareceram à Convenção das Assembleias de Deus em Goiânia, acenou com a possibilidade de indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro que seja evangélico.

E também externou inconformismo com o julgamento que está ocorrendo na Suprema Corte - suspenso quando 6 ministros votaram a favor - a respeito da criminalização da homofobia. Para Bolsonaro, o STF estaria legislando.

Quanto à indicação de candidato evangélico para integrar o STF, a preferência presidencial, embora perfeitamente compreensível e muito bem vista, ela não encontra amparo na Constituição, que exige tão somente idade mínima de 35 anos, notável saber jurídico e ilibada conduta. Além disso, o Estado é laico.

Mas uma análise mais atenta e cuidadosa da declaração de Bolsonaro leva a crer que o presidente leu e gostou do artigo publicado aqui no Jornal da Cidade Online ("Os cinco ministros que faltam no STF") que sugeria a expedição, pelo presidente, de Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para elevar, de 11 para 16 o número de ministros da Corte.

Explica-se: Bolsonaro assumiu o compromisso de indicar Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, para ocupar a primeira vaga a ser preenchida no STF. Moro não é evangélico. E se for, não se declarou publicamente. E nem era a Moro que o presidente se referia.

Como o presidente diz agora que seria a hora, ou seja, o momento, a ocasião, de indicar um "ministro evangélico" para o STF, da fala presidencial deduz-se que Bolsonaro, além de Moro, quer indicar outro (ou outros) ministro para o STF. Neste caso, só uma PEC, desde que aprovada pelo Congresso, poderia alterar a composição do STF, a fim de serem levados à Corte um ministro evangélico, além de Sérgio Moro e outros três mais...

Já quanto ao inconformismo do presidente, no que tange à questão da homofobia ser considerada crime pelo STF, aí o presidente acertou em cheio. O STF não pode legislar.

Para que uma ação ou omissão seja considerada crime é preciso existir, previamente, uma lei que assim defina, ou seja, que aquela ação ou omissão seja, especificamente, considerada criminosa pela lei.

É o chamado "Princípio da Reserva Legal:

"Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

Está no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição. Com a mesma redação, assim também consta no Código Penal (artigo 1º).

E o STF não pode decidir se esta ou aquela ação ou omissão seja considerada criminosa, sem que lei anterior a considere. Só a lei pode dizer o que é e o que não é crime. O STF, não. Há um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados (PL 122 de 2006, conhecido por Lei Anti-Homofobia) que pretende transformar a homofobia em crime. Mas está parado há 13 anos.

O STF também não poderá decidir que homofobia seja considerado crime por analogia, porque o Direito Penal não admite analogia.

A Lei 7716, de 5.1.1998, define o preconceito de raça, etnia, religião ou procedência nacional como crime. E homofobia não se enquadra em nenhuma dessas quatro hipóteses.

É verdade que o artigo 5º, inciso XLI da Constituição dispõe que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

É a lei, diz a Constituição, e não a Suprema Corte que definirá a homofobia como crime e estabelecerá a pena e tudo mais.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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