O ministro Paulo Guedes, da Economia, foi ofendido pela segunda vez por alguns parlamentares da oposição por ocasião do seu depoimento na Câmara dos Deputados. Ao rebater os ataques, Guedes afirmou que depois de seis horas de debates começam as agressões, pois “a tradição da Casa são as ofensas”.
As declarações do ministro se deram em razão dos adjetivos que lhe foram atribuídos, altamente ofensivos e desairosos, atribuindo-lhe o cometimento de crime de responsabilidade fiscal e de uns "rombos" que o ministro teria causado em fundos de pensão.
Guedes rebateu dizendo que não iria reagir, mas não poderia ser acusado do que vários companheiros da oposição estão sendo, pois se “eu goolgar” procurando “dinheiro na cueca certamente vou achar”. A insinuação lembrava o episódio envolvendo o deputado José Guimarães (PT-CE) que, em 2005, teve um assessor (José Adalberto Vieira) preso no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com US$ 100 mil escondidos na cueca e R$ 209 mil numa maleta de mão.
Guimarães foi absolvido pela Justiça. Em sua defesa disse ao ministro que jamais ofendeu alguém, mesmo discordando do interlocutor. Guedes pediu desculpas. Nesse interim, o presidente da Comissão suspendeu temporariamente a sessão após o bate-boca. No final, observou-se que tanto os deputados como os senadores sabiam e sabem que têm o direito sagrado de ofender qualquer pessoa impunemente, pois não integram o rol dos que podem ser punidos por nossas leis penais.
Conforme a clássica expressão freedom of speech, que aqui representa a garantia da impunidade por qualquer agressão moral, essa inviolabilidade abrange todas as manifestações funcionais do parlamentar, sejam escritas ou orais, dentro ou fora do Parlamento.
Antes da Emenda Constitucional nº 35/2001, a inviolabilidade parlamentar penal achava-se prevista no art. 53, caput, da CF, nestes termos: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos”. A atual redação do mesmo dispositivo constitucional diz o seguinte: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Est modus in rebus, nenhum ato público pode violar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, inclusive os que regem as manifestações parlamentares. Se de um lado há o interesse na independência e na livre manifestação do Legislativo, de outro existem múltiplos direitos fundamentais que também merecem proteção, como a honra, a privacidade, a intimidade e outros.
Imunidade não significa irresponsabilidade nem permite a incivilidade como forma de procedimento. O espírito republicano e a educação exigem do parlamentar um comportamento compatível com as normas do trato político e social.
O fato de um deputado se arvorar em lutador de box ou moleque de rua para ofender quem quer que seja, é sem dúvida uma grave ameaça à democracia. Mesmo precariamente educado, tem que respeitar o contraditório e a diversidade de opiniões.
O grande escritor, Miguel de Unamuno, estava, certa vez, lendo um jornal quando entrou no recinto um grupo de falangistas (fascistas) gritando “Viva a Morte!”. Ele, lentamente, baixou o jornal, olhou-os e, calmamente, disse: “Vocês até poderão vencer, mas nunca convencerão”.
Um deputado, por mais grosseiro que seja, que ofende um ministro convidado para dar explicação ao parlamento do qual ele pertence, pode até imaginar que o venceu; só não pode é pensar que convenceu os seus eleitores.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário