Sim! Devemos redimensionar os investimentos feitos em Filosofia e Sociologia
12/05/2019 às 04:51 Ler na área do assinanteDada a polêmica desencadeada com a fala do atual ministro da educação acerca da redução de investimentos em cursos como filosofia e sociologia, gostaria de esclarecer minha opinião sobre a questão, a qual certamente não representa a de meus pares. Mas, como liberal, acredito que a menor unidade existente é o indivíduo, de tal forma que penso como indivíduo e não de maneira corporativista. Portanto, embora atuando como professor de filosofia em uma universidade estatal, minha posição é individual, ainda que motivada por muitas observações feitas ao longo de meus anos como estudante e docente nas ‘humanidades’, particularmente na filosofia.
Colocado esse ponto, gostaria de focar no tema de uma perspectiva inclusive distinta daquela suscitada pela notícia, a qual trouxe à luz o exemplo do Japão como referência. Assim, penso que colocar o foco no exemplo do Japão talvez não seja a estratégia mais eficiente para expressar o que realmente está em jogo quando falamos em reduzir investimentos em tais áreas. A ideia é correta, sim, mas parece-me que ela é coadjuvante, ou seja, julgo que há um problema ainda mais grave que carece de solução mediante um redimensionamento austero dos investimentos feitos, em verdade, nas ‘humanidades’ de uma maneira mais abrangente.
Obviamente a reação, seja ao anúncio do ministro seja à publicação do presidente em suas redes sociais, foi a esperada: “choro e ranger de dentes”. Afinal, é fácil entoar mantras assignificativos e banais como “sou contribuinte e quero investimentos em ciências humanas, arte, diversidade ...” (sim, “diversidade” não poderia faltar). Nesse momento imagino que todos estão recebendo mensagens inúteis como essa (com o pedido “copie e cole”).
Afinal, atualmente vivemos sob o jugo de um emotivismo barato. Uma vez que estamos no auge da incontinência emotiva, os apelos sentimentais vulgares grassam pelas redes sociais e, mesmo, pelas universidades. Basta vermos as faixas “você vai trabalhar até morrer” e outras do tipo que poluem nossos murais e paredes. Assim, temos muitas “correntes” de mensagens (slogans) que nada dizem circulando por aí. Sem falar no anúncio de possíveis greves, invasões, etc. Essa reação à notícia mostra, por si só, que o redimensionamento se faz não apenas necessário, mas, inclusive, urgente.
Mas o problema, creio, é discutirmos questões delicadas como essa de um ponto de vista, pelo menos, razoável, sem recorrer a mantras e correntes.
Assim, ainda que seja um ponto plenamente razoável, creio que o foco não deveria estar na comparação com o Japão. Embora possamos discutir os aspectos econômicos atinentes ao investimento nas ‘humanidades’, parece-me que há um problema ainda mais profundo no atual investimento que é feito nelas. Não obstante, insisto: concordo com a ideia que surge na comparação com o que foi ensaiado no Japão. Na verdade, concordo com o que disse um dos mais importantes líderes da Revolução estadunidense, John Adams, em uma carta datada de 12 de Maio de 1780:
“Eu poderia preencher volumes com descrições sobre Templos e Palácios, Pinturas, Esculturas, Tapeçaria, Cerâmica, etc., se eu tivesse tempo. Mas eu não poderia fazer isso sem prejuízo de meu dever. (...)”.
A ideia é simples: primeiro saímos da pobreza. Primeiro prosperamos materialmente. Depois, e somente depois, fomentamos o enriquecimento do “espírito” (investindo em arte, filosofia, etc). No atual estado de coisas algumas áreas, como áreas da saúde (medicina, por exemplo) e áreas STEM (science, technology, engineering, and mathematics), precisam ser prioridade em virtude de serem elas a causa de prosperidade material em curto prazo. As demais devem passar, sim, por um “redimensionamento” rigorosíssimo (mas não abolidas).
Portanto, concordo com essa linha de argumentação.
Como escreveu o presidente:
“A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”.
Não obstante, parece-me que o principal problema relacionado às ‘humanidades’ em geral e à filosofia e às ciências sociais em particular não se reduz ao uso frequentemente irresponsável do dinheiro dos pagadores de impostos, mas, sim, ao efeito nocivo e degenerescente que elas causam na sociedade civil.
Aliás, recentemente abordei esse problema aqui no Jornal da Cidade nesse artigo (e em diversos outros disponíveis aqui no Jornal):
Assim, desde o ano passado tenho insistido, em vários textos, que a redução de subsídios para as ‘humanidades’ é um meio eficiente de reduzir a barbárie vigente nessa vilipendiada área. Não se trata exatamente de apenas economizar ao não gastar com esses cursos, mas, especialmente, de eliminar as causas de uma mentalidade que, ela sim, causa um prejuízo incalculável à nossa prosperidade.
Noutros termos, o custo de um curso de filosofia ou sociologia pode ser irrisório se comparado, digamos, com a medicina. Mas o principal problema é o impacto social (econômico, moral, político, etc) que cursos como aqueles citados pelo ministro e pelo presidente causam. Noutros termos, as ideias mais estúpidas e nocivas brotam desde dentro das ‘humanidades’. Esse é o cerne do problema.
Como costumo dizer aos meus alunos, há ideias tão estúpidas que apenas um professor de filosofia as defenderia. Portanto, ainda que um curso de filosofia seja “barato”, seu custo é altíssimo pelos danos que ele causa à sociedade. No texto citado acima (que recentemente publiquei aqui no Jornal da Cidade), por exemplo, cito diversas dissertações/teses que, quando chegam à sociedade, são causa do mais abjeto empobrecimento (moral, estético, econômico, etc). Por décadas elas têm influenciado nefastamente políticas públicas, educacionais, etc. Muitos de nossos flagelos econômicos, morais, sociais, encontram nelas suas causas, seu fundamento.
Sim, as ideias têm consequências. Uma das ideias mais danosas defendidas em nossos cursos de filosofia e sociologia é, por exemplo, a do relativismo, a qual se espraiou para todas demais áreas ‘humanísticas’. Se hoje temos dissertações e teses como as que citei no artigo suprarreferido, isso somente aconteceu porque nas áreas referidas certas ideias ganharam força e espaço. Foram fomentadas, nas ‘humanidades’, ideias fadadas ao fracasso, ideias que desde sua origem são uma ameaça à nossa prosperidade.
Assim, há ideias abjetas que hoje “explicam” a existência de dissertações/teses sobre “a folia dos cus prolapsados”, sobre “prazeres sexuais anais”, sobre “fazer banheirão” (em que seu autor pesquisa as “interações homoeróticas nos sanitários públicos da Estação da Lapa e adjacências”), e tantas outras bizarrices que tomaram nossas ‘humanidades’ e fizeram, como cânceres, metástase para o resto da universidade e para a sociedade civil.
Esse tipo de dissertação/tese não surgiu subitamente. Décadas de escola de Frankfurt, de pós-modernismo, de pós-estruturalismo, etc, criaram o ambiente para que essa barbárie ganhasse força e, hoje, hegemonia nas ‘humanidades’. Ocorreu precisamente aquilo que o filósofo Mário Ferreira dos Santos denominou de “invasão vertical dos bárbaros”. Ou seja, desde a academia certas ideias desceram sobre a sociedade civil, causando danos talvez irreparáveis em curto prazo.
Vejamos apenas mais alguns exemplos.
Por que hoje as pessoas já não veem sequer a diferença estética entre a performance “macaquinhos” (em que um grupo de pessoas, nuas, cheiram os cus umas das outras) e uma peça de Shakespeare?
Ora, porque ideias relativistas surgiram desde dentro das ‘humanidades’ e seguem sendo defendidas em dissertações e teses como as citadas por mim no artigo citado. Na verdade, nas ‘humanidades’ encontraremos muitos defendendo inclusive a superioridade da tal “performance” em relação a Shakespeare. Como arrazoar com alguém assim?
Por que nossos estudantes já não veem a diferença entre autores da envergadura de Aristóteles e Tomás de Aquino e um Foucault ou um Deleuze (ou qualquer pós-moderno pela mesma razão)?
Simples: pela mesma razão acima colocada.
Por que temos a vigência dessa visão ‘multiculturalista’ que não percebe a diferença entre os valores da cultura ocidental cristã e os de um povo primitivo no meio da selva? Ou, ainda, por que há um apreço (em nossas ‘humanidades’) por uma cultura primitiva em que os sujeitos vivem de uma maneira muito similar à dos animais que os cercam em detrimento da cultura ocidental, da qual todos nos beneficiamos em alguma medida?
Ora, pela mesma razão mencionada acima.
Tais diferenças deveriam ser evidentes. Mas décadas de uma “invasão vertical dos bárbaros” nos tornaram confusos moralmente. Não apenas isso, nos causaram inclusive alguma turvação cognitiva. Hoje (e isso causaria estarrecimento em gerações passadas) rejeitamos as causas de nossa riqueza e prosperidade. E essa rejeição não é oriunda da sociedade civil, mas de nossas ‘humanidades’. O ódio à economia de mercado (liberalismo), à ciência, à moral e a todos os valores e instituições que alicerçaram nossa civilização não vem da sociedade civil: vem de nossas universidades, mais especificamente de nossas ‘humanidades’.
Eis outro exemplo em destaque hoje nas ‘humanidades’: a ideologia de gênero. Fundada na ideia de que não há verdade, mas apenas “construção” (tudo é uma questão de “perspectiva”, relativo), hoje vige nas ‘humanidades’ a ideia segundo a qual os sujeitos não nascem ou homens ou mulheres. Que escolham. Quem precisa da biologia , afinal? As demonstradas diferenças biológicas (endocrinológicas, inclusive – o dimorfismo cerebral) entre homens e mulheres são, segundo os ideólogos de gênero, parte de uma ciência patriarcal, branca, heteronormativa, europeia, cristã, etc. Ou seja, deve ser abolida em prol de uma ciência inclusiva, feminista, negra, quilombola, gay, etc. Basta de Newton, Kepler, Galileu, e tantos outros. São todos parte da ciência “opressora”. Não surpreende, pois, que estudantes de literatura e filosofia queiram um novo Index Librorum Prohibitorum para banir autores como Platão, Aristóteles, Kant, Shakespeare, John Milton, et al.
E que em seu lugar tenhamos a “filósofa” Valesca Popozuda, o “poeta” Mister Catra, etc.
Esse é nosso atual estado de coisas.
E uma das principais causas para que tenhamos chegado a este estado de coisas é o avanço de ideias estultas e abjetas nas ‘humanidades’, dentre as quais destaco o relativismo.
Em suma, penso que há realmente muitas dissertações e teses importantes em filosofia e sociologia. O ponto é que essas devem ser priorizadas. Redimensionar, aqui, significa investir em pesquisas que sejam causa de prosperidade, não de decadência acadêmica e miséria social, cultural e econômica. Não se trata de abolir a filosofia e a sociologia, mas de identificar nas pesquisas em que medida elas causam um impacto no avanço da área e na sociedade civil. Trata-se, em verdade, de salvar esses cursos dos bárbaros que as tomaram para si para levar adiante uma agenda ideológica antiocidental e antiliberal.
Assim, as pesquisas que cito em minhas críticas públicas simplesmente não encontram uma justificativa para o subsídio que recebem dos pagadores de impostos, pois defendem absurdos, como, por exemplo, que devemos abandonar a ciência ocidental porque ela foi constituída por homens brancos europeus. Ora, a ciência não pertence a um grupo: é universal.
O ‘bom senso’ também deveria ser, aliás, universal. Mas infelizmente hoje temos que explicar o óbvio (que há diferenças entre homens e mulheres, por exemplo). Isso é uma lástima, pois se não tivéssemos que explicar o óbvio poderíamos avançar no desenvolvimento do conhecimento.
Dessa maneira, não teríamos que explicar que o liberalismo é uma das principais causas de prosperidade se a mentalidade anticapitalista não vigesse nas ‘humanidades’. Mas como vige uma mentalidade antiocidental e antiliberal em nosso meio, essa mesma mentalidade disfuncional causa atraso tanto no desenvolvimento teórico quanto no desenvolvimento social e econômico.
Escrevi sobre essa ênfase em ideias fracassadas aqui:
Assim, dado que ideias disfuncionais tomaram conta de nosso ambiente acadêmico, faz-se imperioso que uma ação seja adotada pela atual gestão do MEC para, primeiramente, colocar diques aos avanços da barbárie e, em seguida, remitir o câncer. Não cabe mais termos que justificar que certos valores e instituições são melhores do que outros. Não cabe mais termos que parar nossas pesquisas para explicar que os valores do ocidente cristão são melhores (como causa de prosperidade social, teórica, moral, cultural, etc) do que os de povos que vivem em pardieiros, andam nus, dormem no chão, são sujos, comem coisas repulsivas e estão fadados ao desparecimento (mediante um processo de seleção natural) pois não aderiram aos valores e instituições do ocidente.
Em suma, devemos estancar o fomento de ideias estúpidas que causam dano seja ao conhecimento seja à sociedade civil. Afinal, é a sociedade civil que está subsidiando (com seus impostos) essa barbárie. Justamente os que mais sofrem com o avanço dessas ideias são os que as subsidiam. Na verdade, são os mais frágeis os mais afetados por essas ideias.
Resumindo: se alguém quer ter experiências sexuais com parceiros do mesmo sexo em banheiros públicos para depois relatá-las em uma dissertação, que o faça com o seu dinheiro e para seu público.
(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)