Diversas e importantes semelhanças são mostradas pela História ao narrar fatos passados e presentes. Os acontecimentos são apreendidos pela sociedade e resgatados, sempre que o momento exige. Além disso, a História demonstra que os interesses de classes podem se preservar por muito tempo, apesar de se manifestarem de maneiras variadas.
A eleição de Jair Bolsonaro demonstrou isso. O Brasil levou muito tempo para escolher um presidente via eleição direta. No dia 15 de novembro de 1989, quebrando um jejum de 29 anos, fomos às urnas para escolher o novo presidente da República num clima de razoável liberdade.
Com um grau de informações diferente de outras épocas, 82 milhões de eleitores puderam escolher, entre 22 candidatos interessados em herdar o desgoverno do presidente José Sarney, quem o sucederia. Na última vez que isso aconteceu apenas 6 milhões de eleitores sufragaram o nome de Jânio Quadros para presidente da República, em 1960. Durante a campanha Jânio atacou a corrupção e os gastos exagerados realizados durante o governo JK. Prometeu moralizar a vida pública brasileira. Jamais cumpriu a promessa.
O sucessor de Sarney herdaria um país com inúmeras dívidas e uma inflação de 50% ao mês, além de um PIB que não crescia há mais de uma década e uma dívida externa de 140 bilhões de dólares, que custava, só em juros, uma sangria de 12 bilhões de dólares por ano.
Tal qual o momento atual, dez milhões de famílias não tinham onde morar nem como sobreviver. A saúde e a educação foram abandonadas pelos governantes. Na época diziam que o Brasil era uma Belíndia, uma pequena Bélgica afluente e uma Índia miserável. A miséria era a mesma dos dias atuais.
Para piorar a situação, o escolhido foi ninguém menos do que Fernando Collor de Mello, o caçador dos marajás, que atacava Sarney taxando-o de medíocre e corrupto. Ganhou com 28% dos votos, seguido por Lula (16, 6%) e Brizola (16,1%). O resultado demonstrou que o povo já não aceitava mais as oligarquias políticas que até então dominavam o país: Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves.
Collor, que jamais apresentara qualquer programa de governo, passou a dizer que o país precisava de uma reforma moral na área econômica. Congelou os depósitos superiores a 50 mil cruzados novos nas cadernetas de poupança, os salários e desindexou a economia. Era o começo do seu impeachment, pois, daí para a frente, o assalto aos cofres públicos - comandado por Paulo Cesar Farias (o famoso PC) -, se tornou institucional.
Quem vivia do trabalho defrontou a falta de poder aquisitivo do salário. De março de 1990 a fevereiro de 1992, 402 mil vagas de emprego foram fechadas. O desemprego era o maior dos últimos quatro anos. Tal qual os dias de hoje, os aposentados não tinham uma vida digna e segura.
O resultado final foi a expulsão de Collor do governo. Como disse Ricardo Antunes, “Collor foi a expressão (bem sucedida) de um improviso necessário da ordem ante os riscos presentes no quadro eleitoral”. Seu sucessor, Itamar Franco, implantou o Plano Real, que recuperou a economia e permitiu-lhe eleger seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, presidente da República.
Prestes a encerrar seu governo, Itamar citou trechos de um poema do poeta português Fernando Pessoa para falar do seu mandato:
“Firme em minha tristeza, tal vivi. Cumpri, contra o destino, o meu dever. Inutilmente? Não, porque o cumpri”.
Era o que todo governante deveria fazer.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário