O Estado Democrático de Direito e o poder opressor

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A exoneração do comandante militar do Sul, general Antonio Hamilton Martins Mourão, é mais um capítulo de uma realidade profundamente tensa entre o poder que está aí, profundamente descaracterizado, sem força, alienado, submisso a modelos impositivos, que contrariam as leis, e que fomentam o descontentamento, não somente de militares mas, também, de civis, que de maneira clara, entendem o momento brasileiro, como uma realidade eivada de crises e desacertos do próprio governo, impondo à população medidas forçosas, ajustes imprecisos, derivados de sua forma anárquica e covarde de não atentar para os gastos que faz, submetendo à população a modelos opressivos e opressores, que esbarram, comumente, em ações derivadas de descontrole nas contas públicas, ressurgindo desta “teia”, a CPMF, com uma força de um dragão, aumentando a nossa carga tributária já onerosa, que tem cerca de 89 impostos, pagos em 151 dias.

Os motivos pelos quais, o pronunciamento do general Antonio Hamilton Martins Mourão, foram claros, ao mostrar o seu descontentamento pessoal, com o governo Dilma, ao afirmar que “a queda da presidente Dilma Rousseff não mudaria o “status quo”, mas traria a vantagem de descartar “incompetência, má gestão e corrupção.

Questionamentos à parte, todos nós, inclusive o general Antonio Hamilton Martins Mourão, não afirmou nada que nós, de antemão, não sabemos, qual seja, a ideia de que não temos hoje uma representação política sustentável, crível, mas, profundamente alicerçada, em manipulações, jogo de cena, mentiras, falcatruas e inverdades eivadas em um cinismo oficioso e oficial, que lamentavelmente, não inspira a credibilidade das massas, mas o seu descontentamento oportuno.

Mas, como interpretar a relação manipuladora, oportunista em todos os espaços humanos, que permite que o governo intencionalmente, use de uma reação ilógica, arbitrária, quando impõe o silencio forçoso a quem de maneira direta, mostra o seu descontentamento com as práticas avessas ao decoro, a moral, sobretudo a defesa intransigente das instituições?

Qual o papel dos militares a serviço do poder? Serem apenas condicionados à obediente postura de não contender? Isso é democrático? Digno? 

Se olharmos pelo prisma da lei, evidentemente que haveria inúmeras leituras, mas, discordar de um governo, não é motivo de prisão, apenas, uma forma livre de externar o que é fato, ou será que o governo entende que todos nós, somos “cobaias” dele, que não podemos externar a nossa indignação diante dos quadros que disseminam a corrupção, o caixa 2, a formação de quadrilha, entre aqueles que são protegidos e apoiados pelo próprio governo?

Acaso o governo não sabe que existe corruptores em seus quadros? Que há muitos que se servem de cargos de confiança para produzir atos que desabonam a ética e ao decoro? Por que então, temos tantas ações da Polícia Federal, prendendo personagens conhecidos, averiguando suas ações no cenário deste governo.

É exatamente pela forma de acobertamento deste governo, que se alia a corrupção, que temos que imaginar o inconformismo das massas, diante da impunidade, que alija o direito e que fere princípios constitucionais.

Certamente, a característica essencial e diferenciadora do Estado Democrático e do Estado Autoritário reside no fato de que, no primeiro, o Estado se comporta em relação aos particulares atento à obediência das normas legais (do Direito), rigorosamente dentro dos comandos normativos; já, no segundo, de maneira oposta, o Estado não se sujeita, nem se vincula, a nenhuma regra jurídica, pautando seus atos com absoluta e completa arbitrariedade.

Assim, no Estado Autoritário (ou Estado-Polícia, segundo as palavras de Afonso Rodrigues Queiróz), existe para os governantes um grau máximo de poder discricionário, cujo poder não se encontra ligado ou vinculado a nenhuma regra jurídica. Vale dizer, sua conduta não se encontra ditada por qualquer regra de direito pré-estabelecida.

A segunda característica típica do Estado Autoritário é que inexistem direitos subjetivos públicos por parte dos particulares (dos jurisdicionados) para exigir um determinado comportamento da administração.

Por sua vez, o Estado moderno, ou Estado Democrático de Direito trouxe garantias aos particulares, pautando os atos dos administradores não mais a atos discricionários (poder discricionário), mas sim, a atos vinculados (poder vinculado), atrelado à obediência das regras jurídicas e segurança da manutenção e garantia dos direitos dos indivíduos (dos particulares)2.

Cumpre frisar e ressaltar que, no Estado Autoritário, o poder discricionário é considerado como ilimitado, mas tal poder também existe no Estado Democrático de Direito, embora o seja de uma forma muito mais restrita e justamente onde as próprias regras legais abrem-se-lhe tal possibilidade, ou seja, em alguns casos específicos a própria lei concede liberdade à administração (porém, no Estado Democrático de Direito, frise-se, o poder jamais é ilimitado, devendo-se encontrar delineado dentro da chamada “moldura legal”).

No Estado Autoritário, o poder discricionário é regra, ao passo que, no Estado Democrático, tal poder é exceção. Mutatis mutandis, no Estado Democrático, o poder vinculado é regra, ao passo que, no Estado Autoritário, simplesmente inexiste, posto que a discricionariedade é ampla e irrestrita (discricionariedade esta, in casu, entendida como atuação fora da “moldura legal”).

O Estado Democrático de Direito regula e pauta toda a atividade da administração através da existência e da efetiva obediência às normas jurídicas, impondo ao Estado, no caso de desobediência das regras legais, a correspondente sanção, quer em relação ao ato propriamente dito, quer em relação ao agente incumbido da elaboração e/ou execução daquele ato administrativo eivado de nulidade ou irregularidade.

Mas seria a questão do poder discricionário, o único fator para se conceituar um Estado como sendo Autoritário ou Democrático?

A questão vai mais além.

No Estado Democrático de Direito (Rechtstaat3), existe um pleno controle judicial de todos e quaisquer atos emanados do Poder Público, como meio de se garantir aos cidadãos a possibilidade de, sempre e sempre, questionar a validade e a eficácia daqueles atos, bem como de protegê-los de qualquer arbitrariedade.

O Estado Democrático de Direito tem como finalidade a realização do direito, atento à obediência ao comando legal, que lhe traz o regramento a ser seguido, para que o Estado atinja seus fins sociais4, sem ferir nenhum direito individual dos cidadãos.

Segundo Afonso Rodrigues Queiróz, “Todas as funções do Estado ... se devem realizar na forma do Direito e as normas do Direito são o quadro da atividade do próprio Estado”.

E referido autor conclui: “Portanto: o Estado do Direito Público moderno é o Estado de Direito. A sua atividade realiza-se dentro de normas, e precisamente de normas jurídicas; assim a Justiça como a Administração”.

Richard Thomaz diz com precisão que o “princípio da submissão à lei por parte da Administração é o fundamento do Estado de Direito moderno”.

De acordo com A. B. Cotrim Neto, “desde meados do século passado [século XIX – sic – nossa a observação] generalizou-se o emprego da expressão ‘estado de direito’, para definir o regime em que a administração haveria de ser considerada uma atividade regulada juridicamente”.

Portanto e concluindo, fazendo a diferenciação entre Estado Democrático e Estado Autoritário, teríamos que:

Estado Democrático é aquele em que os atos administrativos são vinculados aos regramentos jurídicos-normativos, com pouquíssimo poder discricionário aos administradores, permitindo-se aos particulares o exercício de direitos públicos subjetivos, através do controle judicial dos atos administrativos, bem como a possibilidade de sanção aos agentes públicos no uso de suas atribuições e competências funcionais.

Estado Autoritário é aquele em que os atos administrativos são absolutamente arbitrários, não havendo sujeição do Poder Público a controle judicial, nem a qualquer sanção aos agentes públicos e, muito menos qualquer possibilidade dos indivíduos de exercerem seus direitos públicos subjetivos.

Pio Barbosa Neto

Referências 

COTRIM NETO, A. B. Verbete Estado de Direito. In Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 33, p. 467-469.

CRETELLA JÚNIOR, José. Verbete Estado de Direito (Direito Administrativo). In Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 33, p. 469-470.

________. Verbete Estado de Polícia. In Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 33, p. 509.

QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Reflexões sôbre a Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra Editora, 1940.

SALDANHA, Nelson. Verbete Estado de Direito e Ordem Política. In Encliclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 33, p. 470-486.

________. Verbete Estado Democrático. In Encliclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 33, p. 489-491.

________. Verbete Estado Totalitário. In Encliclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 34, p. 43-45.

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Pio Barbosa Neto

Articulista. Consultor legislativo da Assembleia Legislativa do Ceará

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