Quem teme o governo Bolsonaro e as reformas... A sociedade civil versus a verdadeira elite

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Dentre os mais vorazes críticos do governo Bolsonaro, e das (necessárias) reformas propostas por seus Ministros, temos algumas categorias que assumiram a proeminência nos ataques irracionais a todas as mudanças que começam a nos colocar, ainda que timidamente, no ‘caminho para a prosperidade’: ‘Reforma da previdência’, ‘cobrança de mensalidades em universidades públicas’, ‘maior investimento nas séries fundamentais’, ‘uso austero (e redução) dos recursos investidos nas universidades federais’, ‘controle rigoroso no fomento à cultura (e à pesquisa)’, ‘redução do investimento em propaganda do governo’, ‘aproximação do ensino com o mercado (empreendedorismo)’, são algumas das mudanças que causam tanto pânico em certos grupos até o momento beneficiários da generosidade estatal (subsidiada pelos pagadores de impostos), como, por exemplo: “artistas” que se beneficiam com o dinheiro de nossos impostos para produzir uma “arte” que ninguém compraria voluntariamente (a “compramos” involuntariamente quando pagamos impostos), mídia tradicional beneficiária de verbas publicitárias, servidores públicos e estudantes (especialmente de universidades públicas). Essas são algumas, talvez as principais, categorias que hoje se autointitulam “resistência” ao atual governo.

Mas cabe notar o seguinte: Ainda que seus ataques sejam irracionais, sua motivação é consciente. Apesar de todo seu discurso anticapitalista, sua preocupação é banal e conhecida: dinheiro e outros benefícios. Sim, a preocupação dos grupos que hoje se dizem “resistência” é com a perda de suas benesses, de seus privilégios. Simples assim. Eles frequentemente têm dois discursos. Há o discurso exotérico, para a sociedade civil que paga suas regalias, no qual eles se apresentam como justiceiros sociais preocupados com os fracos e oprimidos, com as “minorias”, com os “excluídos”, e com todas as suas demais mascotes, e o discurso esotérico, aquele que eles não revelam à sociedade civil. E é aqui que encontramos sua real motivação, pois estamos diante de sua verdadeira preocupação. Para compreendermos esse ponto tenhamos em mente apenas algumas informações.

Em primeiro lugar, observemos que, segundo dados do Ministério do Planejamento, a despesa total com servidores públicos representa 22,7 % dos recursos da União. Tal gasto inclui as despesas com servidores ativos, inativos e com pensionistas. Se acrescentarmos a esses gastos com servidores as despesas com previdência descobriremos que as duas juntas consomem 67% de todo o orçamento público (sendo despesas obrigatórias que só podem ser alteradas pela mudança na lei).

Portanto, de largada uma parte considerável de nosso orçamento está comprometida com os proventos dos servidores públicos federais. Isso demanda, obviamente, mais estado... mais impostos e menos liberdade consequentemente. Assim, um governo comprometido com a liberdade e com um estado mínimo certamente enfrentará problemas com os beneficiários desse uso disparatado de nosso orçamento, constituído fundamentalmente pelo dinheiro dos pagadores de impostos. Acrescente-se a isso que, conforme o documento “Por um ajuste justo com crescimento compartilhado: uma agenda de reformas para o Brasil” (Banco Mundial/BIRD 2018), um servidor público federal com formação acadêmica e experiência profissional similar a de um trabalhador da iniciativa privada recebe, em média, 96% a mais do que esse último (e 36% a mais do que um servidor em nível estadual – estando os servidores municipais em situação de equidade com os da iniciativa privada). Ou seja, o serviço público federal, em média, paga (obviamente não em todos os casos – aqui se trata da média geral) praticamente o dobro do que a iniciativa privada (pelo mesmo serviço e para alguém com o mesmo background). E nem estamos aqui levando em conta as demais vantagens (“direitos”) que o serviço público proporciona, algumas delas simplesmente inacreditáveis. Na verdade, segundo o mesmo documento “a folha de pagamento do setor público brasileiro é alta pelos padrões internacionais, em torno de 13% do PIB” (a dos USA é de 9%).

Mas essas informações começam a revelar o que está em jogo na tal “resistência”. Não apenas isso, começamos a compreender a razão da ferocidade com que alguns sindicatos de servidores públicos estão atacando as reformas propostas pelo atual governo (como a da previdência), reformas que visam diminuir o estado, assegurar a prosperidade geral (afinal, a “resistência” está obviamente preocupada com a sua prosperidade particular) e fomentar o empreendedorismo. Ora, o caminho para a prosperidade implica na perda de certas benesses. Implica na retirada de vantagens imerecidas (retirada à qual eles “resistem” com o mantra “nenhum direito a menos”).

O mesmo pode ser colocado em relação às universidades públicas, as quais têm sido instrumentalizadas (e empobrecidas) para assegurar que permaneceremos no “caminho da servidão”, no caminho para o aprofundamento da miséria geral e da prosperidade exclusiva da elite favorecida pela “servidão” dos demais. Também nelas temos uma elite agraciada com uma generosa parcela de nossos impostos, e isso mesmo que elas não tragam impacto algum sobre nossa prosperidade econômica e social. Em primeiro lugar, notemos que o ensino superior não é gratuito. Todos pagam por ele (o que demandaria a necessidade de algum retorno social - para o ‘bem comum’). Embora, como demonstraram os estudos do economista (agraciado com o Nobel de economia em 2000) James Heckman, o investimento no ensino primário traga maior retorno individual e social (algo corroborado posteriormente por outros economistas, como Philip Oreopoulos e Kjell Salvanes), investimos absurdamente mais no ensino supostamente “superior” do que no ensino primário. De acordo com o estudo “Um olhar sobre a educação”, divulgado em 2017 pela Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico (OCDE), no Brasil um estudante universitário em uma universidade federal custa, em média, R$ 41.5 mil reais ao ano. Ou seja, em torno de R$ 3.500 reais por mês. Comparemos esse quadro com os dados do IBGE (2018 – dados da Pesquisa Nacional por amostra de domicílios contínua/‘PNAD contínua’), os quais nos mostram que 50% dos trabalhadores brasileiros (que pagam os R$ 3.500 mensais de nossos estudantes, muitos deles também “justiceiros sociais”) têm, em média, uma renda mensal 19.5% abaixo do salário mínimo (que, na época da pesquisa, era de R$ 937 reais). Ainda de acordo com a ‘PNAD contínua’, a média domiciliar per capita era, à época da pesquisa, de R$ 1.271 (na região norte, R$ 810, na região nordeste R$ 808 e na região sul R$ 1.567). Muitas informações estão também no estudo do MEC relativo à “apuração do custo das universidades federais e sua relação com os respectivos quantitativos de alunos".

Portanto, o investimento em nossas universidades criou uma “elite” que também “resiste” em perder suas vantagens. Essa elite se beneficia do péssimo investimento que fazemos em um ensino que frequentemente não faz jus ao “superior”. Basta vermos alguns textos que já publiquei aqui no Jornal da Cidade Online:

Dessa forma, parece-me que muito da “resistência” enfrentada pelo atual governo se deve ao fato de ele estar cometendo o sacrilégio de tocar em benefícios sagrados, os quais se solidificaram nas últimas décadas. A motivação fundamental da chamada “resistência” reside no temor de perder privilégios. Apenas observem quem a está liderando. Os “líderes da resistência” são justamente aqueles que mais têm a perder com as reformas, aqueles que há décadas gozam de certos privilégios dos quais simplesmente não abrem mão, privilégios que a maioria deles não alcançaria mediante o mérito. E eles “resistem” ainda que a concessão de seus privilégios seja causa de miséria social, de aprofundamento no “caminho da servidão”.

Como diz o texto bíblico, “ali haverá pranto e ranger de dentes”. É disso que se trata a resistência: de choro e ranger de dentes. Sua motivação é sobretudo a mesma dos liberais (“capitalistas”) que eles tanto odeiam: riqueza e bem estar. A diferença é que o liberal (“capitalista”) acredita no mérito, na laboriosidade e na liberdade para empreender e construir sua própria biografia. Os “resistentes”, por sua vez, querem que o estado lhes dê os benefícios com o subsídio dos pagadores de impostos, independentemente dos custos econômicos e sociais que a satisfação de seus desejos cause. Cobram do estado direitos autorais pela sua biografia.

Eis, então, quem teme o governo Bolsonaro e as reformas: uma “elite” que vive confortavelmente às expensas de uma maioria que, ao pagar seus impostos, subsidia os privilégios de uma minoria.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

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