O ministro dos embargos infringentes

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Não tenho – sempre demonstrei isso – particular admiração ou deferência por Celso de Mello (não confundir com desrespeito pelo cargo que ele ocupa), ministro do STF gestado no gabinete presidencial de José Sarney, em atenção a recomendação do advogado e seu ministro da Justiça Saulo Ramos.

Aliás, a mesma ‘reverência’ dedico a seu colega, o “cientista do Direito” e Narciso, Marco Aurélio de Mello. Este senhor é uma paráfrase perfeita do Narciso da Boécia, Grécia: A paixão infinita do Narciso do STF não seria (talvez) pela a sua beleza física, mas pela sua voz, pela sua modulação vocal e pelas suas construções verbais que parecem dar a ele próprio orgasmos só de ouvi-las.

Não raro, mas nem sempre, fala sozinho e é vencido pela Corte por 10x1, mas isto longe de o apoquentar, parece acrescentar-lhe mais orgulho ainda, pois demonstra atribuir suas derrotas à grande profundidade dos seus argumentos, sempre muito acima da capacidade cognitiva dos demais membros da Corte. (Neste quesito, aliás, talvez não estivesse tão longe da realidade, apenas se não se colocasse como exceção à sua própria regra.)

Como o Narciso da Boécia era muito arrogante por conta de sua beleza, o Narciso do STF é supinamente arrogante em decorrência das suas excelsas qualidades intelectuais auto - atribuídas. (Conta-se – sem que eu tenha prova do ocorrido - que certa vez um grupo de pessoas conversava num elevador do STF quando Marco Aurélio entrou e ouviu o que se falava. Fez-se um silêncio constrangido e um dos presentes, querendo quebrar o gelo, perguntou algo como: o que pensa disto, Ministro? Marco Aurélio, da imensa altura em que o sustenta sua suprema sabedoria, retrucou: quem lhe deu tamanha intimidade para se dirigir a mim?).

Poderia, claro, estender esta minha reverência a outros ‘juízes’ daquele Pretório nada Colendo, notoriamente os notórios Gilmar Mendes, Lewandowski e o jurista sem obra jurídica Dias Toffoli. Mas hoje quero marcar posição com Celso de Mello.

Celso de Mello se distingue dos seus colegas por não dispor seu curriculum vitae no site do STF. Talvez não considere isso necessário porque parece ter sua sabedoria como auto evidente, ou por outra razão que desconheço. Não expos nem mesmo um fake C.V., como o de Dias Toffoli, em que se escreve muito para desviar a atenção dos ingênuos, enquanto não se apresenta (por não se dispor) o que seria relevante.

Ele pertence à Segunda Turma do STF, onde se compunha harmonicamente com os notórios Dias Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes para formar o grupo de Libertadores Gerais da Bandidagem de Colarinho Branco (LGBCB). (Dias Toffoli saiu recentemente da Segunda Turma para ocupar a presidência do STF). Um habeas corpus a ser analisado na segunda turma era o sonho de felicidade de todo corrupto de colarinho branco.

Celso de Mello é o maior entendido do mundo em “embargos infringentes”, aparentemente uma jabuticaba conceitual jurídica brasileira, creio que ausente em todos os modelos jurídicos do mundo civilizado. Foi com sua pressão e voto pelos embargos infringentes que os bandidos do mensalão tiveram um segundo julgamento no STF, apenas semanas após o primeiro julgamento no mesmo STF. (Depois há quem não goste que se diga que o Brasil é o país da piada pronta!)

Este segundo julgamento fez a alegria dos mensaleiros - que tiveram suas penas drasticamente reduzidas e, em pouquíssimo tempo ficaram livres -, semanas após terem sido impostas pelo mesmo tribunal. É a isto que se chama aplicação da “ciência do Direito” no Brasil. Hoje ela dá um resultado e semanas depois, outro.

Imagine-se se o mesmo ocorresse com a Segunda Lei de Newton. Prédios e pontes, seguros hoje, cairiam amanhã por conta de novo comportamento da mesma Segunda Lei de Newton. Imagine-se se esta variabilidade ocorresse com as leis de Mendel, um conjunto de fundamentos que explicam o mecanismo da transmissão hereditária entre as gerações. Ou com os princípios de Darwin sobre a evolução das espécies. Não haveria ordem dentro da desordem do universo e a Segunda Lei da Entropia seria uma inverdade.

Se isto que constantemente emana do STF é aplicação de uma “ciência”, como afirma Marco Aurélio de Mello, que se autoproclama “cientista do Direito”, então eu não sei mais o que é ciência, mesmo portando um grau de Mestre em Ciências e outro de Doutor em Ciências.

Celso de Mello talvez seja o membro do STF mais agressivo na defesa do cumprimento de sentença (prisão) só após esgotados todos os recursos disponíveis que, no Brasil, são recursos inesgotáveis. Trânsito em julgado é, no Direito Penal brasileiro, uma miragem que não raro deixa o criminoso sem cumprimento de pena, após prescrição. Só Paulo Maluf teve quatro processos criminais prescritos, décadas após abertos.

Emblemático desta aberração jurídica - tão cara a Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski - é o caso de Antônio Pimenta Neves que, assassino confesso - CONFESSOU o planejamento e assassinato da ex-namorada no dia seguinte ao crime -, mesmo após a confissão permaneceu juridicamente (cientificamente, diria Marco Aurélio Mello) “inocente” por mais de dez anos, gozando de boa vida e rindo (não há como não rir!) da nossa justiça Tabajara.

Se alguém contar isso numa roda de pessoas em um país civilizado ninguém entenderá, ou acreditará. É absurdo demais! É piada pronta mesmo, e de péssimo gosto!

EPÍLOGO

Minha implicância com Celso de Mello é antiga. Não bastasse o que já comentei acima, apresento abaixo texto do brilhante advogado Saulo Ramos (1929 - 2013), que copiei diretamente de seu precioso livro Código da Vida (10ª impressão, Editora Planeta, 2007). Neste texto, o grande advogado Saulo Ramos, que recomendou Celso de Mello para o supremo a Sarney e foi seu chefe na Consultoria Geral da República, conta uma história nada edificante para o atual Ministro.

Eu, que já fiz escolhas lamentáveis de pessoas, das quais me arrependo até hoje, compreendo o desabafo do advogado. Aliás, como fazemos escolhas pessoais erradas e lamentáveis, por Júpiter!

Texto de Saulo Ramos

(Extraído do seu livro Código da Vida)

“Na minha vida, conheci juízes formidáveis, dos quais guardo lembranças entusiásticas e profundo respeito. Mas sofri também grandes desilusões. Algumas lamentáveis. Vou contar uma delas.
Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro – negou-lhe legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

- O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

- O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.

O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.

Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura de Sarney.

Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando.

- Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

- Claro, o que deu em você?

É que a Folha de São Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou o meu nome como um deles. Quando chegou a minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de São Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
- Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo escreveu que você votaria a favor?
- Sim.
- E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou a sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
- Exatamente. O Senhor entendeu?
- Entendi. Entendi que você é um juiz de merda!
Bati o telefone e nunca mais falei com ele.
Foto de José J. de Espíndola

José J. de Espíndola

Engenheiro Mecânico pela UFRGS. Mestre em Ciências em Engenharia pela PUC-Rio. Doutor (Ph.D.) pelo Institute of Sound and Vibration Research (ISVR) da Universidade de Southampton, Inglaterra. Doutor Honoris Causa da UFPR. Membro Emérito do Comitê de Dinâmica da ABCM. Detentor do Prêmio Engenharia Mecânica Brasileira da ABCM. Detentor da Medalha de Reconhecimento da UFSC por Ação Pioneira na Construção da Pós-graduação. Detentor da Medalha João David Ferreira Lima, concedida pela Câmara Municipal de Florianópolis. Criador da área de Vibrações e Acústica do Programa de Pós-Graduação em engenharia Mecânica. Idealizador e criador do LVA, Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC. Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.

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