Acompanho, quando posso, pela televisão, o campeonato de pesca promovido em Corumbá durante o 'Festival das Águas'. Como sempre, é um belo espetáculo que merece também uma reflexão. É bonito ver um mar de crianças, com camisetas brancas e caniços na mão e também uma lição prática de civismo e de preservação da prodigiosa natureza pantaneira,
mostrando ser possível praticar o esporte aliado à conservação das espécies dentro da modalidade pesque e solte. Mesmo assim creio que este tipo de pesca provoca sofrimentos ao peixe. Você, por acaso, já sofreu uma fisgada de anzol em seu dedo? Quem já teve esta desagradável experiência sabe o quanto dói uma fisgada. Já pesquei muito nas águas do rio Paraguai, mas hoje, não tenho mais coragem.
Mesmo assim, entendo que para Corumbá o Festival das Águas é um dos mais importantes eventos que acontecem hoje na Cidade Branca, por valorizar o sentido histórico que foi e é a razão das existências do porto local e do rio Paraguai. Mas, de todos os participantes, poucos são os felizardos que conseguem fisgar bons exemplares. Desse modo, o resultado do Festival também deve ser mais uma vez um alerta para a manutenção do estoque pesqueiro pantaneiro. Sei que medidas nesse sentido são delicadas, por ferir muitos interesses, sobretudo econômicos, mas isto terá que ser feito mais cedo ou mais tarde.
Mesmo com o período da piracema com um descanso para os rios pantaneiros, parece que ainda não é suficiente para a recuperação pesqueira da região. Basta ver as dificuldades da captura de peixes nas proximidades do porto geral. Por isso, volto mais uma vez a desejar uma legislação adequada e preservacionista, estadual e municipal, que mude o sentido e o entendimento sobre o uso do pantanal como, por exemplo, a proibição ainda que temporária da pesca do dourado.
Em primeiro lugar, a política de turismo de pesca na região deve ser repensada, pois a fase de grande euforia, com investimentos e vinda de grandes empresários do setor, parece não ser interessante pela frustração dos pescadores turistas. Hoje, outras regiões menos exploradas e mais piscosas estão sendo procuradas por pescadores e empresários. Fico a pensar no porto de Corumbá coalhado de grandes navios de transportes e de passageiros na primeira década do século vinte. Foi uma época em que Corumbá foi um dos mais importantes portos fluviais de importação e exportação do país. Depois, com a crise internacional provocada pela Primeira Guerra Mundial, o seu porto perdeu o status de importante estrutura portuária e sua desarticulação gradativa trouxe muitos prejuízos à população corumbaense. Agora, o impressionante espetáculo do porto coalhado de belos barcos de turismo pode estar com seus dias contados.
Não se pode esquecer que o turismo corumbaense de pesca é um dos mais caros do país, computando diárias de barcos, iscas, apetrechos e outros. Com isso, todos querem retirar peixes para fora do município e do estado para compensar os custos, apesar do estabelecimento de cotas de transporte. O problema não fica somente nisso, pois continua sendo permitido o transporte de centenas de quilos por mês por pescadores profissionais para fora do município. Com isso, o preço do pescado para o próprio corumbaense tornou-se proibitivo. Fiquei sabendo que na Semana Santa o mercado local recebe até peixe de criadouros de outros municípios. Pode uma barbaridade desta? A solução para tudo está numa política corajosa de preservação mesmo que contrarie forças poderosas.
Enquanto isso, o turismo em Corumbá e no Pantanal precisa se reinventar. Isso requer trabalho e investimentos, pois nada cai do céu. As possibilidades são muitas, pois em nenhum lugar do estado há um lugar tão rico em história, cultura e natureza prodigiosa juntos. Os corumbaenses ainda não sabem a riqueza que tem em suas mãos.
Valmir Batista Corrêa
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Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.