Ao falar, pela segunda vez, em solenidade militar desde quando assumiu o Governo, o presidente Jair Bolsonaro disse que as Forças Armadas são realmente um obstáculo a quem quer tomar o poder de forma ilegítima. Em outra ocasião, afirmou que a democracia e a liberdade só existem porque “as Forças Armadas assim o querem”.
Como não poderia deixar de ser, a declaração foi alvo de críticas da oposição e de alguns órgãos de imprensa, notadamente daqueles que já se posicionaram contrários ao governo. O general Mourão saiu em defesa do presidente dizendo que sua fala foi mal interpretada.
Como todo militar, Mourão é defensor da lei e da ordem, mesmo quando se sente obrigado a defender a anarco-democracia em que vivemos. Recentemente, voltou a minimizar a participação dos seus colegas na política dizendo que, quanto a um possível golpe militar no país, “Nem pensar”.
Antes de sua eleição, o general, ainda na ativa, criticou o Supremo quando afirmou que muitos dos seus ministros não conheciam a realidade brasileira, e que alguns tinham, “às vezes, uma coisa pessoal” com muitos dos acusados em processos por eles julgados, e que existia “um certo ativismo político no STF”.
Mourão vem tentando apaziguar a situação em suas manifestações, muito embora o papel de bombeiro não se coaduna com a sua formação militar, cujas características são a hierarquia, a disciplina, a lei e a ordem.
Ele também sabe que as Forças Armadas são, na realidade, uma instituição política, e que o subsistema militar é parte integrante do sistema político, estando sujeito às mesmas pressões que atuam sobre ele.
Também não desconhece que, numa análise crua e perturbadora sobre o fim das democracias em todo o mundo, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – dois conceituados professores de Havard-, compararam a chegada de Trump ao poder com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos de ascensão de Hitler e Mussolini, nos anos 1930. A comparação foi feita com a atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares na América Latina dos anos 1970.
Os notáveis professores chamam a atenção para o fato de que a democracia não termina com uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou mesmo de um golpe de militar, pois agora a escalada é outra, face o enfraquecimento, lento e constante, de instituições como o Judiciário e a imprensa, além da erosão da ética no trato da coisa pública.
Mourão sabe que a maioria dos atuais ministros de nossa Suprema Corte colaboraram para destroçar o poder moderador que ela representava, fazendo com que o país passasse a viver em um regime de insegurança jurídica, em que ninguém sabe qual pode ser o destino de sua reivindicação.
A política nacional foi praticamente capturada por denúncias de corrupção que brotam de todos os lados, configurando uma situação que, desde o governo Vargas, convencionou-se chamar de “mar de lama”. E como o povo é impotente ou não sabe como resolver esse estado de coisas, defende a volta dos militares ao poder para por “ordem” na Casa.
Em princípio, pode-se dizer que a eleição de Bolsonaro e de Mourão representa o retorno dos militares ao poder, só que pela via eleitoral. Mesmo assim, e considerando a presença de um grande número deles no governo, alguma coisa deve ser feita para acabar com a anarquia reinante no país. E isso, pelo visto, tem de ser feito agora, enquanto nossa democracia agoniza.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário