A crise política que vivemos, com certeza, é resultante de uma das mais virulentas eleições ocorridas na história recente do país. Foi um vergonhoso festival de baixo nível e de acusações praticadas pelos dois lados da contenda (refiro-me ao segundo turno das eleições presidenciais).
Foi uma pena, porque o que se esperava era uma intensa discussão sobre os reais problemas que assolam o país, aliás provocados pelo primeiro desgoverno da senhora Dilma. Isso ficou de fora, pois, os candidatos queriam, isso sim, atingir o poder a qualquer preço. Foi o que se viu. Porém, a bem da verdade, a candidata vitoriosa beneficiou-se com um discurso mentiroso iludindo grande parte dos seus eleitores.
Apesar da vitória, este resultado mostrou também uma divisão clara entre as regiões nordeste e sulina do país. Este expressivo resultado demonstrou o quanto foi importante o programa social de transferência de renda, que é o Bolsa Família. Na região nordeste e norte, a vitória de Dilma Rousseff foi contundente em consonância com o maior número de famílias atendidas. Isso demonstrou que o Bolsa Família
foi, sem dúvida, um dos maiores programas eleitorais que se viu neste país. Este é um dos grandes desafios que qualquer governante terá que resolver daqui para a frente, na manutenção ou ampliação do Bolsa Família, especialmente pela necessidade de diminuir os gastos públicos.
Além disso, a partir dessa campanha de 2014, o país dividiu-se também em dois blocos antagônicos, disseminados em amplos segmentos da população, pobres ou ricos, classes A, B, C e D e etc. Na imprensa de um modo geral e nas redes sociais apareceram, cada vez mais frequentes, manifestações de repulsa aos políticos e aos partidos alimentadas pela denúncias de operações policiais e processos judiciários. Assistiu-se a partir de então ao combate do “nós contra eles” e dos “pobres contra as elites”, uma bobagem que, no entanto, joga mais gasolina no fogo da crise brasileira.
No entanto, o maior desafio hoje é o relacionamento com o ex-presidente Lula, o lulopetismo e as divisões intestinas do partido. Como se sabe, foi ficando cada vez mais difícil o relacionamento da criatura que tentou se desvencilhar do criador. Nos últimos dias, com o governo afundando, Lula restabeleceu o seu protagonismo e poder sobre a criatura. Fica mais claro que a reeleição da Dilma foi a manifestação da vontade exclusiva do presidente à revelia do seu próprio partido, que não a contestou,
quebrando uma escrita tradicional do PT que sempre realizou a escolha de seus candidatos através de ampla consulta às bases. Com a ideia fixa de fazer sua sucessora e aplainar o terreno para a sua futura eleição, Lula transformou-se, como nunca antes neste país, num cabo eleitoral de luxo, desrespeitando institutos constitucionais e até a liturgia eleitoral. Neste caso, a justiça eleitoral (como sempre recorrente) foi cega, sem força para enfrentar um ex-presidente montado num índice extraordinário de aprovação popular.
O que fazer? Começou o desastre da nova administração de Dilma com o estouro de uma brutal crise política e econômica nunca antes ocorrida neste país. Lula, do alto de sua esperteza e “senso de oportunidade”, dizia a todo momento na imprensa que não interviria no governo.
Nesses primeiros momentos da crise, sabe-se que Lula tentou “aconselhar” a presidente na formação do seu segundo governo e na escolha de seus ministros. Foi o que bastou para o PMDB arreganhar seus dentes, transformando-se no partido de maior poder de fogo do atual governo, a ponto de eleger um presidente da Câmara Federal polêmico e problemático para Dilma.
O governo de Dilma (será ainda dela?) enfrenta a voracidade dos partidos aliados por cargos, controle de ministérios e de autarquias, a partir da prática histórica do PMDB e do mais baixo índice de popularidade da presidente jamais visto na história brasileira.. Basta ver a desastrosa reforma ministerial feita recentemente para garantir o seu mandato contra o espectro de um impeachment.
A vergonhosa e velha prática do toma lá da cá deve ser em qualquer situação repudiada e denigre a imagem do governo. É o tiro no pé de um governo que prima pela incompetência política, haja vista os pronunciamentos que parecem mais uma apresentação dos 3 Trapalhões, parodiando os famosos 3 Tenores, e das falas non sense da presidente que se transformam em piadas prontas.
Como apregoava um outro ex-presidente impichado: só o tempo é o senhor da razão. Vamos aguardar. Ela cai ou não cai?
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.