Presidente Schvartsman, a Vale não é "joia", e sim bijuteria falsificada que ninguém quer
15/02/2019 às 14:58 Ler na área do assinanteA declaração de Fábio Schvartsman (ou Schwartzmann?), presidente da Vale S/A, de que sua empresa "é uma joia brasileira e que não pode ser condenada" pelo rompimento da barragem de Brumadinho, tragédia que Schvartsman classificou de "acidente", constitui outra grave ofensa à memória das mais de 300 vítimas que morreram.
É ultraje à própria cidade. É escárnio às famílias, à população, à natureza, ao meio ambiente e a tudo e a todos que tenham sofrido, direta e indiretamente, qualquer dano em consequência do rompimento da barragem.
Após a tragédia, Schvartsman (ou Schwartzmann?), nas suas primeiras aparições públicas, o presidente se mostrava abatido, se dizendo sofrido e tinha a voz um tanto trêmula, embargada, quase chorando. Deu pra desconfiar daquele "sentimento".
Na minha longa jornada de mais de 40 anos defendendo vítimas e familiares de vítimas de tragédias nunca vi donos e presidentes de empresas por elas responsáveis vir a público e fazer o "mea culpa", externar um gesto, uma palavra de contrição. Mas não demorou muito. Encorajado por não ter sido preso nem muito menos molestado pelas autoridades, menos de um mês depois aquele mesmo homem declarou nesta quinta-feira, perante uma comissão criada por parlamentares na Câmara dos Deputados, que sua empresa "é uma joia brasileira", e que não pode ser responsabilizada pela tragédia!!.
E durante o "um minuto de silêncio" em respeito às vítimas, toda a multidão de gente presente na Câmara se levantou. O único que permaneceu sentado foi Schvartsman, como mostra a foto divulgada pela própria Câmara e que O Globo estampa na edição de hoje, sexta-feira, folha 8.
Gesto de desprezo, de desafio, de pouco caso. Gesto de ausência de dor. De desumanidade. Frieza pura. Desrespeito, prepotência e demonstração de que nada de punição vai sofrer.
Onde estão os promotores públicos, do Estado de Minas Gerais e os promotores públicos federais?
Por que não pedem ao Judiciário a prisão deste homem?
Lá na Ilha da Córsega, quando se enfrentavam em campo o Bastia e o Olympique de Marseille, parte da arquibancada do Estádio do Furiani desabou: 30 mortos.
No mesmo dia a Justiça da França, a pedido da promotoria (parquet), decretou as prisões do presidente do Furiani e da Federação Francesa de Futebol.
Enquanto isso aqui no Brasil, rompe uma barragem gigantesca de restos de minério, faz centenas de mortes, causa estragos de expressiva dimensão em todos os sentidos... e nada acontece.
E o representante legal e presidente da empresa, única culpada, ainda tem a coragem de vir a público dizer que sua empresa é uma "joia brasileira", sem a menor responsabilidade pela tragédia!. E este homem continua solto a zombar dos vitimados.
Senhor Schvartsman (ou Schwartzmann?) a empresa que o senhor preside, se é uma "joia", é joia falsificada. É mais reles do que bijuteria "chingling". E bijuteria perigosa, que mata, que dissemina desgraça. Bijuteria maldita, que nem os camelôs querem vender expostas nas calçadas das ruas, escondidos da fiscalização e da polícia. É bijuteria que ninguém compra. É bijuteria diabólica.
Seus adornos são chifres, dentes afiados e garras com brasas tiradas do fogo do inferno, tal como aquela montoeira de restos de lavras arrancadas e exploradas do solo brasileiro, descendo morro abaixo e varrendo e soterrando tudo que encontrasse à frente, como se vê nas reportagens das tevês.
Que digam os vitimados de Mariana e agora de Brumadinho, por enquanto, porque nada garante que outras tragédias não vão se repetir.
Nem precisa a lei dizer que atividade empresarial de risco, tal como acontece com a energia nuclear, quando gera dano a terceiro, a responsabilidade é objetiva, isto é, não depende da investigação em torno da culpa. Basta a ligação (elo de causalidade) entre o fato danoso e o prejuízo. E só. Daí nasce o indiscutível dever de indenizar. E a responsabilidade é integral da empresa e que se projeta sobre sua alta diretoria, como dispõe o princípio da Desconsideração da Pessoa Jurídica ("Disregard Doctrine")
E a sua responsabilidade criminal-pessoal, senhor Schvartsman (ou Schwartzmann?), decorre do cargo que o senhor ocupa na empresa que o senhor desavergonhadamente diz ser "joia". "Joia da Coroa".
Sobre seus ombros recaem o dever de zelo, cuidado, presença, atenção redobrada e permanente, dever fiscalização, de garantia de segurança... São as chamadas "culpa in omittendo", "in vigilando", "in contrahendo", que nos legou o Direito Romano.
O senhor é o responsável nº 1. Omitiu-se, quando deveria agir. Não vigiou, quando deveria vigiar. Se delegou tais incumbências a terceiro(s), delegou e contratou mal. Não se chega a imputar à Vale a intenção (dolo) pelo acidente. Mas a culpa está escancarada.
"O crime é culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia", diz o artigo 18, nº II, do Código Penal.
Décadas atrás uma grande marquise de um prédio residencial ruiu em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. Matou 8 e deixou inválidas para o resto da vida mais 3 vítimas. Todos entraram na Justiça contra o dono do prédio. Lá era ponto de ônibus e na hora do desabamento havia muita gente aguardando coletivo chegar.
Na Justiça, o dono do prédio sustentou que a marquise estava íntegra!. Que a laje não precisava de reparos!. Que foi uma fatalidade!. Ou seja, veio com aquela lenga-lenga de sempre. Mas a Justiça, unanimemente derrubou a esdrúxula tese com uma só frase: "Tanto precisa de reparo que ruiu". Juízes e desembargadores que condenaram o proprietário a pagar indenização nem se deram ao trabalho de aprofundarem na dissertação da questão jurídica que ficou resumida somente naquela frase "tanto precisa de reparo que ruiu".
Senhor Fábio, presidente da "joia da coroa", a pronúncia do seu sobrenome me soa mal. Muito mal. Me leva à idade de 10 anos quando meu pai comprou meu primeiro piano. Era um "Schwartzmann", muito vendido na década de 50, fabricado no Bairro Braz Cuba, em Mogi das Cruzes, em São Paulo. O auge da fábrica foi na década de 60. Na década seguinte a fábrica fechou. Mas o piano era tão ruim, mas tão ruim, que embora novo, logo no primeiro mês dois bordões partiram. O som não era nada agradável. Cada vez que afinava, piorava. O teclado não era de marfim. Nem as cordas eram cruzadas. Tinha apenas dois pedais. Então vendemos. E ganhei outro, um Stein&Sons, que tenho até hoje. Surrado de tanto tocar mas é um Stein&Sons. Daí a razão de ter escrito seu nome de família e ao lado o nome da marca do piano.
Ou as raízes são as mesmas e a grafia é que foi registrada com equívoco?
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)