Sem adentrar no mérito dos processos que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o senador Renan Calheiros, faz-se necessário uma análise do seu comportamento antes e depois da eleição para a presidência do Senado.
Nossa Constituição exige de um parlamentar uma conduta compatível com as regras nela descritas, explicitando o modo de atuação de um detentor de mandato eletivo. Essas regras, conhecidas como de decoro parlamentar, obrigam o congressista a atuar de acordo com o que elas estabelecem, notadamente no que se refere ao respeito à honra e à dignidade das pessoas, bem como à decência, civilidade, educação e polidez, entre outras.
O parlamentar deve sempre atuar de acordo com o artigo 55 de nossa Carta Magna, que considera o “abuso das prerrogativas asseguradas a um membro do Congresso nacional” quebra de decoro parlamentar, punível com a perda do mandato.
Quando nossa Constituição fala em abuso de autoridade, simplesmente quer dizer que quem assim procede pode perder o mandato, que só deve ocorrer por ato praticado após a posse, conforme entendimento do STF ao decidir que o ato contrário ao decoro parlamentar é aquele praticado na legislatura em que se encontra o infrator (MS 24.458, rel. Min. Celso de Mello).
Assim, toda ação praticada que não está de acordo com a conduta esperada é considerada quebra de decoro parlamentar, a exemplo de ofensas contra a honra de alguém ou expressões que incentivem a sua prática.
O comportamento de Renan Calheiros ao longo de sua vida pública não parece compatível com o que se exige de um senador da República.
Todos se lembram do episódio de afastamento do deputado Eduardo Cunha da Câmara dos Deputados por decisão do STF. O parlamentar não só deixou a presidência da Casa como perdeu o mandato.
Já a decretação de afastamento do senador Renan Calheiros da presidência do Senado por decisão do ministro Marco Aurélio foi um Deus nos acuda. Renan, não só se recusou a deixar o cargo, como obrigou o Supremo a se ajoelhar diante de si. O ministro Celso de Mello, indicado como relator do processo, conseguiu dar um voto que foi um verdadeiro malabarismo jurídico, e não uma decisão de um ministro de uma Suprema Corte.
Renan repetiu o mesmo comportamento nessa última eleição. Conhecido como um fisiologista de práticas deletérias, até recentemente respondia a 14 ações por improbidade, cinco pedidos de cassação, inúmeras denúncias e outras tantas acusações envolvendo a sua pessoa.
Acostumado a mandar, também aprendeu a ofender, tanto com palavras como com ameaças físicas, conforme se observou no entrevero entre ele e o senador Tasso Jereissatti.
Após a eleição para a presidência do Senado, vencida pelo senador Davi Alcolumbre, a jornalista Dora Kramer afirmou em sua coluna que o alagoano foi “derrotado pela própria arrogância”, além de vítima de manobras que ele mesmo aplicara quando estava no poder, e que, “dessa vez foram adotadas contra ele”.
Renan, que não tolera criticas, postou uma mensagem no Twiitter dizendo o seguinte:
“A jornalista Dora Kramer, colunista de o Estado de São Paulo, acha que sou arrogante. Não sou. Sou casado e por isso fugi do assédio. Ora, seu marido era meu assessor, e preferi encorajar Gedel e Ramez, que chegou a colocar um membro mecânico para namorá-la. Não foi presunção. Foi fidelidade”.
Após diversas críticas, a mensagem foi apagada da rede social. Vários jornalistas saíram em defesa da colega, entre eles, Vera Magalhães, que o chamou de “cafajeste” e “machista”. Outros profissionais também manifestaram sua indignação. Dora Kramer, agradecendo o apoio dos colegas e da imprensa em geral, limitou-se a dizer que não iria responder às ofensas.
Não resta dúvida que a moral e as regras do trato social como moldes de comportamento exigem do parlamentar uma certa ética, principalmente no que diz respeito à postura.
O comportamento de Renan Calheiros, altamente ofensivo para com a jornalista e desairoso para com o próprio Senado, feriu todas as regras do decoro parlamentar, não podendo deixar de ser analisado pela Comissão de Ética da Casa.
Ou se toma uma providência agora para evitar que casos como esse se repitam, ou esse fato servirá de pretexto para que outros senadores profiram ofensas contra os seus desafetos certos de que jamais serão punidos.
O Senado da República não pode permitir que um dos seus membros o jogue na lama.
Ainda há tempo de sair do lodo; basta apenas tomar as providências que nossa Constituição determina.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário