Contrato Social, Política, Ética e Moral
do risco da má avaliação de certas circunstâncias
14/10/2015 às 19:11 Ler na área do assinanteNenhuma verdade pode ser tomada como absoluta, assim como, a lógica também pode ser relativa. Ora, se a verdade valesse para todos não haveria o contraditório, só a unanimidade. Verdade e lógica estão sujeitas as relatividades dos elementos que as compõem; e, a depender da situação, os elementos se distinguem em quantidade e qualidade, no tempo e no espaço, não implicando valer no momento seguinte nem justificar ações passadas ainda que tratem da mesma matéria, do mesmo assunto, da mesma situação. Se, é uma verdade que o galo canta com o alvorecer, é também verdade que o dia amanhece sem que o galo cante. Então, neste caso, a lógica é relativa e a verdade é absoluta, posto que, o dia nasce independentemente de o galo cantar. De outro vértice, o galo pode cantar independentemente do alvorecer, posto que, é dele a qualidade de cantar quando bem lhe convêm; verdade relativa, lógica absoluta. Não é tão notável a observação, mas, por vezes, passa por nós despercebida, colocando-nos no caminho do risco da má avaliação de certas circunstâncias.
Por essas razões e outras mais, é que eu desprezo certas afirmações acerca de alguns assuntos, ainda mais quando conheço todos os elementos componentes das afirmações deles decorrentes. O afirmador também é parte elementar do que afirma, assim como o galo é elementar para o seu canto; inexistindo o galo, inexiste o seu canto. Mas, se nessa equação considerarmos a racionalidade – um dos elementos – o afirmador e sua afirmação estão sujeitas a criteriosa avaliação, já que galo canta, tal como o sapo coaxa; mas, o homem, fala por suas próprias convicções ou pelas convicções alheias seja por crença ou má-fé.
Nem o sapo, nem o galo nem nenhum animal emitirá som senão por sua própria natureza. O homem, racional que é, tem a faculdade de raciocinar antecipando-se ao falar, porque constrói a partir dos elementos de que dispõe para si, elementos formadores do seu juízo de valor, salvo a exceção suscitada acima.
Não obstante, juízo de valor, também tem em si elementos absolutos e relativos. Valor, enquanto um algo construído a partir da reunião de outros elementos – que individualmente, são outros valores, também – podem estar eivados de erros ou má-fé. O ser irracional não faz juízo de valor, apenas busca em sua vida a plenitude da felicidade, movido, tão somente, pelo próprio instinto: predar, comer, beber, defender-se, reproduzir, cuidar da prole etc., e ao final, morrer. O homem, também movido pelo instinto, valora apenas o que lhe convém, e não raro, maneja tudo o que pode ser manejado de modo a alcançar o objetivo previamente determinado, geralmente, não altruístico, como sói acontecer na política.
Entre tantas ordens de problemas que o Brasil enfrenta neste momento, destaca-se cristalina a pouca ética ou sua ausência indiscutível. A polarização entre posição e oposição, vem, diariamente, gerando trocas de acusações que não contribuem para a construção do que se tem por nação, cujo significado principal, destaco eu, neste pensamento: como o conjunto de indivíduos irmanados nos mesmos usos e costumes; deixemos o conceito e a natureza jurídica do termo num campo limitado – mas, não isolado – do conceito de Estado que se governa sustentado em leis próprias; ao menos por ora.
Os acontecimentos que trouxeram o país a esta situação, vêm de longa data. Não decorre inteiramente do governo em exercício, mas de um insistente e arraigado conjunto de usos e costumes nacionais que vêm deteriorando e enfraquecendo alguns fundamentos que formaram, um dia, um conjunto de regras de conduta moralmente aceitas pela maioria das pessoas que compõe a sociedade. Tampouco, é exclusividade do nosso país; é do mundo, é do homem.
A vida em sociedade e a sua relação com o Estado é um contrato que exprime as vontades e os interesses das partes, em resumidíssima explicação. Por óbvio, há nesse espectro mais complexidades do que facilidades, o que por si, desborda a ética e os homens públicos abandonam seus valores, que n’algum tempo lhes foram caros.
“O povo sempre deseja seu próprio bem, mas por si mesmo não o encontra sempre. A vontade geral sempre é correta, mas o julgamento que a guia nem sempre é esclarecido”.[1]
As palavras de Rousseau parecem ter sido escritas hoje, não antes do ano 1762.
Em sua obra mais notável, trata da transição do homem do estado de natureza para o estado civil, considerando tal “a transição ocorrendo ao longo de um período de guerra de todos contra todos, cujo nascedouro foi o estabelecimento da propriedade privada e da ausência de instituições políticas e de regras que impedissem a exploração entre as pessoas”. Na democracia, numa lógica rousseauniana inversa, justamente a propriedade privada – apenas como exemplo – é que entrega ao indivíduo um direito inalienável, além de todos os outros elencados na prefacial da Constituição da República Federativa do Brasil, do preâmbulo ao Capítulo V, com a mesma força gera, igualmente, a guerra de todos contra todos, nascida dos mesmos ânimos. Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais não são absolutos, ao contrário, são relativos. Esse é o seu caráter, a relatividade.
A propósito:
"Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto:
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas— e considerado o substrato ético que as informa permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros." (STF, MS 23.452, rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.1999, DJ 12.05.2000, p. 20) [grifou-se][2]
Veja lá, no texto, a referência à ética.
Ética é um princípio, é um valor, que não deveria se transformar, diminuir-se e afastar-se sob qualquer circunstância, se não for para melhorar a vida e a convivência humana.
Numa nação, cada lado que defende um ponto, deveria por respeito à moralidade, conduzir-se no litígio do conflito de ideias sob a égide da mesma ética. Mas a ética não é estática, não pode ser capturada numa fotografia. Entretanto, na coesão do espírito de nação que tracei nas primeiras linhas, entendo que nestes tempos atuais devemos nos guiar pela ética moral, num exercício honesto de reflexão sobre o valor das ações sociais consideradas tanto no âmbito coletivo como no individual.
Qual é a nossa garantia de futuro quando a classe política que nos representa – incluindo aí o governo em exercício – abandona escancaradamente o espírito público e percorre as veredas dos pândegos e vadios, preocupados, essencialmente, com as suas próprias ambições?
Querem exercer a direção do país em proveito da sociedade ou o poder em proveito próprio?
Essas questões deveriam unir os governados, não o contrário. É certo que há de existir divergências, mas, dado que nada é absoluto nem relativo, as diferenças devem estar na ordem dos homens dispostos a acomodá-las de tal forma que sirva, ao menos, para ajustar a convivência entre todos sem que ninguém se tenha alijado de liberdade, essa garantia fundamental e tão relevante que, não à toa, só é precedida pelo direito à vida no elenco dos direitos e deveres individuais e coletivos, insculpido no caput do artigo 5º de nossa Constituição, a saber:
“(...)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (“...)”.
O constituinte originário não dispôs os direitos no artigo supra aleatoriamente, mas sim, por sua ordem de importância. De que liberdade se pode falar se não há vida? Igualdade, segurança e propriedade, idem!
Pelo exposto é que repudio o acinte, a desmesura, o plantio de ódio e aversão, a comorbidade social, o insulto de uns contra os outros, o fomento da divisão da nação-indivíduos, as mentiras em desfavor das verdades... O que haveremos de conquistar com isso, enquanto povo nação? Nada de bom, tenho certeza. Há um limite que precisa ser preservado cujos marcos são a Ética e a Moral. E estes faltam em nossos governantes.
Em homenagem a Razão Pura:
“Durante o tempo em que não estamos tomados por afetos que são contrários à nossa natureza, nós temos o poder de ordenar e concatenar as afecções do corpo segundo a ordem própria do intelecto.”[3]
Esse é pleito dos homens de bem.
JM Almeida
[1] Du Contrat Social et Discours Sur L’Économie Politique : Rousseau, Jean-Jacques ; Hemus Editora Ltda. ; ISBN 85-289-0076-2 ; Pag.
[2] http://www.jusbrasil.com.br/diarios/79474089/trt-24-judiciario-04-11-2014-pg-260. Consultado às 16h23 do dia 14 de outubro de 2015
[3] Spinozza, Benedictus de, 1632-1677 : Ética / Spinoza ; tradução e notas de Thomaz Tadeu – 3 ed., 1 reimp. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2013, p.379
JM Almeida
João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas.