Alambrados e semáforos nas estradas do Pantanal?

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O estado de Mato Grosso do Sul mantém ainda grande parte de seu território na zona rural, preservando significativa vegetação original e rica biodiversidade, apesar da contínua e estúpida ação predatória do homem.

Com uma natureza prodigiosa, a região conta com uma fauna e uma flora que encantam a todos, motivando um crescente fluxo de turistas.

Assim, a utilização de qualquer via que corta o estado permite ao viajante maravilhar-se com suas belezas naturais, mas também se chocar com o triste espetáculo de animais mortos em seu entorno. O mais evidente é a presença de carcaças de animais de todos os tipos e tamanhos mortos por atropelamento no asfalto.

Essa visão chocante diminui, é verdade, em áreas de expansão agropecuária. A explicação é simples. Ao desmatar a cobertura vegetal nativa para plantar capim ou aplicar produtos agrícolas, ou provocar criminosos incêndios seguindo uma tradição antiga e predatória, o homem elimina o ambiente natural dos animais silvestres, obrigando-os a procurar novos espaços. Restam-lhes poucos nichos concentrados de matas, isolados ou outros ambientes que não lhes são familiares. Basta ver a presenças de insetos, aves e mamíferos roedores, entre outros, que passaram a frequentar os assentamentos humanos concentrados em áreas tipicamente urbanas, até as assustadoras e perigosas invasões das abelhas africanizadas. 

Um exemplo disso está acontecendo no distrito de Rochedinho. A pequena população local está padecendo há várias semanas com enorme enxame de abelhas hibridas e ferozes, que atacaram pessoas e mataram alguns cachorros. Elas persistem em alojar-se precisamente num guapuruvú de quase 10 metros de altura no meu sítio, localizado nessa vizinhança. Apelei para os bombeiros que, atualmente, seguem normas preconizadas pelo Ibama e não permitem que se extermine as abelhas. O que fazer quando há risco para a criação e até de gente? Meu funcionário teve choque alérgico como consequência de muitas ferroadas que levou ao tentar salvar os cachorros. Quase foi a óbito. E, neste caso, pelo enorme tamanho do enxame, não é possível aplicar remédios caseiros e repelentes naturais.

Como resolver o problema e como preveni-lo? A propósito, Rochedinho é região que foi muito desmatada em décadas passadas, dando lugar a muito campo de braquiária, e hoje tem pouca cobertura nativa. No meu sítio eu preservo tudo, incluindo a matinha que margeia um pequeno córrego e está crescendo e se alargando, inexistente há 12 anos atrás quando adquiri a propriedade. Mas isso é muito pouco.

Muitas estradas, recém construídas ou pavimentadas com cobertura asfáltica, cortam os santuários ecológicos provocando a interrupção do trânsito de animais silvestres de um lado para outro, tornando-os alvos fáceis de atropelamento. A estrada corta os corredores naturais que os bichos em geral necessitam para a circulação e sobrevivência.  Este é o caso da BR 262, no trecho do Pantanal todo asfaltado e alvo de motoristas imprudentes que excedem a velocidade razoável nos seus veículos ao longo da viagem. Houve casos de tragédias, quando veículos em excesso de velocidade atropelaram animais de grande porte, como capivaras, antas ou cervos e acabaram capotando com fatalidade para seus condutores. 

Permitindo uma rápida e fácil comunicação, aliás de fundamental importância no mundo moderno e no desenvolvimento do nosso estado, o asfalto também desnuda o fracasso da política educacional do trânsito, com motoristas transgressores que não obedecem à sinalização alertando sobre animais na pista, ou sobre o limite de velocidade. 

Impossibilitado de coibir tais excessos, um projeto inovador do trecho mais crítico da rodovia chegou a ser cogitado (retomo a bela reportagem do jornalista investigativo Silvio Andrade, publicada no Correio do Estado alguns anos atrás), transformando-o em trecho ecológico. As ideias são simples, mas de difícil execução:  facilitar o transito de animais por novos espaços embaixo das pontes de concreto permitindo a abertura dos corredores vitais para a fauna pantaneira; dificultar a passagem sobre a rodovia através de instalação de cercas de telas (alambrados) em locais de maior incidência de atropelamentos e instalar sinalização sonora como alerta para os malucos do volante. 

Devo ressaltar, no entanto, que essas possíveis interferências visando a preservação ambiental não são novidades na região pantaneira.  Por diversas vezes as vi e ouvi sugeridas em discussões e seminários, e invariavelmente vistas com descrédito e motivo de zombarias. Houve até indagações do tipo “quem vai controlar o semáforo para permitir a passagem dos bichos de um lado a outro? ” Creio que discussões sem fundamento científico, sem bom senso ou muito radicais, intimidam aqueles que manifestam ideias criativas para solucionar tão grave problema. Nos anos de 1980/90, apresentei na Câmara Municipal de Corumbá a ideia de um projeto de lei para criar a Estrada Parque no trajeto que liga a cidade ao Porto da Manga e segue até o chamado Buraco das Piranhas que desemboca no asfalto da BR 262. É uma estrada de cascalho, como convém ao equilíbrio da natureza circundante, onde a velocidade e as pontes estreitas de madeira exigem uma velocidade compatível com a contemplação do belíssimo ambiente pantaneiro, muito apropriada para a visitação de turistas e de pesquisadores. Demorou muito, mas o projeto vingou, estabelecendo regras e diretrizes para o seus funcionamento e utilização. Mas essa iniciativa ainda é muito pequena para o tamanho das ameaças ambientais do estado do MS.

Não sei se essas desafiadoras ideias de conservação poderão ser viabilizadas e testadas com toda a seriedade que o caso requer. Apesar de tudo vou continuar a defender e torcer para que projetos dessa natureza tenham, ao menos, relativo sucesso. 

Creio eu que é muito importante dar seguimento e intensificar a campanha de educação ambiental nas escolas, nas ruas, em clubes de serviços, sindicatos, enfim, em todos os segmentos da sociedade, para humanizar a ferocidade dos homens, e não a dos bichos. As mudanças nefastas desencadeadas pela ação predatória humana cobram seu alto preço. 

O planeta caminha para um colapso necessitando medidas amplas e urgentes nesse quesito. Caso contrário, ninguém sobreviverá.

Valmir Batista Corrêa

                                          https://www.facebook.com/jornaldacidadeonline

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Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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