Carta Aberta a Sérgio Moro para que uma derrota judicial seja evitada
12/01/2019 às 16:40 Ler na área do assinanteSenhor Ministro da Justiça, Doutor Sérgio Moro.
Seria ousadia de minha parte pretender ensinar - e mesmo debater - matéria de Direito com o senhor. Mas peço que não veja como atrevimento o que contém esta mensagem, transformada em artigo para ser publicada no Jornal da Cidade OnLine. E, desde logo, cuido de enviá-la ao e-mail institucional de seu gabinete em Brasília, com pedido para que seus assessores, que dela tiverem conhecimento, imprimam a missiva e façam-na chegar à leitura do senhor ministro.
Ministro Moro, como titular da pasta da Justiça, cumpre ao senhor assinar, logo abaixo da assinatura do senhor presidente da República, este decreto que se anuncia como autorizador e regulamentador da posse de arma de fogo.
Peço que não o faça, senhor Ministro. Sem adentrar na questão da conveniência, da necessidade e oportunidade da permissão estatal para a posse de arma de fogo pelo cidadão comum, aludido decreto não encontra amparo na doutrina nem na legislação para que o mesmo seja editado e baixado. A questão é exclusivamente de ordem legal-formal.
Ainda que tenha recebido, impropriamente, nome que induz à permissão para a posse de arma de fogo, o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22.12.2003) faz alusão, autoriza e disciplina, tão somente o porte de arma de fogo. Porte, e não posse como, por equívoco, deu-se denominação à referida lei.
São 37 artigos sem mencionar o direito à posse, e sim direito ao porte, especificamente elencado do artigo 6º ao 11º e que formam o Capítulo III do referido Estatuto. Quando o Estatuto do Desarmamento faz referência à "posse", tanto se encontra no Capítulo IV, que trata "Dos Crimes e das Penas". Extrai-se, portanto, a intrínseca criminalização da posse.
E porte e posse, qualquer que seja a hermenêutica e seu campo de aplicação, têm tradução e significados diversos. Um não subentende o outro. Desde a sua edição, em 2003, o Estatuto do Desarmamento sofreu alterações em seu texto. Todas, por meio de leis (nºs 10.884/2004; 11.501/2007; 11.706/2008; 12.694/2012 e 12.993/2014) e através de duas Arguições de Inconstitucionalidade (ADINs 5948 e 3.112-1).
Se vê, portanto, que o instituto do "decreto" (no caso, decreto presidencial) é incabível para se conceder um direito que a lei não contempla. É um "plus" que decreto algum pode conferir e outorgar.
E este decreto que se anuncia, confere o direito de posse de arma de fogo e estabelece requisitos para a sua aquisição que o Estatuto do Desarmamento não cuidou de conceder, mas de criminalizar.
E não será o Poder Executivo que substituirá o Poder Legislativo para fazer inserir no Estatuto um direito que o mesmo não concede.
Vamos ao mais renomado administrativista brasileiro, Hely Lopes Meirelles:
"Como ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar. O decreto geral tem, entretanto, a mesma normatividade da lei, desde que não ultrapasse a alçada regulamentar de que dispõe o Executivo" (Direito Administrativo Brasileiro, 19a. edição, página 162, Malheiros Editores).
Quão decepcionante seria se o referido decreto, que autoriza e disciplina a posse de arma de fogo (e nele contendo a assinatura do senhor ministro Sérgio Moro, logo em seguida à do senhor presidente da República), uma vez questionado junto ao Judiciário, sofresse sua invalidação por vício formal, vício instrumental, ou qualquer outro nome que se possa emprestar ao defeito!.
Daí o motivo desta missiva em que se encarece ao senhor Ministro que convença o senhor presidente da República a substituir o anunciado decreto por Medida Provisória, mantida a mesma Exposição de Motivos. Ou por projeto de lei.
São os caminhos juridicamente corretos para que o propósito do senhor Presidente se transforme em lei.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)