Eu não deveria estar falando, enquanto psiquiatra, sobre efeitos da maconha, uma vez que esta, hoje, me dá muito dinheiro. Estou cuspindo no prato que eu como. Eu deveria é estar achando bom o aumento no número de problemas psiquiátricos da maconha, pois estou botando comida na mesa com este dinheiro maldito.
Estou num hospital psiquiátrico há quase 40 anos, ora como psiquiatra, ora como paciente (kkkk). Já vi muitas complicações da maconha, e elas têm aumentado, mas toda vez que a gente avisa para uma família- preocupada com o fato de que “esquizofrenia” grave de seu filhofilha foi produzida pela maconha” - eles dizem: “gente, mas como ninguém nunca avisou isso? Por que todo mundo fala que não faz mal? Por que a imprensa não avisa? Dr, mas ela não faz menos mal do que cigarro e álcool? Meu filho diz que ele tem amigos que fumam há décadas e são normais”. “Quem diz que eles já não eram doentes antes da maconha?”.
1. É claro que cigarro e álcool fazem muito mal psiquiátrico, enormes, mas um erro simplesmente não justifica o outro. E você, adolescente, não fica esquizofrênico com seis meses de tabaco ou etanol.
2. Há pessoas que fazem uso recreativo de maconha, uma vez ou outra. Isso não é doença. Doença é quando a pessoa PRECISA usar aquela droga para aplacar problemas psiquiátricos (ansiedade, obsessão, preocupação, insônia, depressão, “estresse”, “preciso relaxar”, etc); doença é quando aquela droga causa sintomas psiquiátricos. Quem te garante que seu amigo que usa maconha há 30 anos é normal? Você fez um exame psiquiátrico dele? Quem garante que, sem a maconha, ele seria muito mais bem realizado do que ele é? Eu conheço um desses “normais”, que de engenheiro eletrônico, formado no ITA, hoje leva vida “normal”, solteirão, frequentando butecos toda noite, tocando uma banquinha de fazer carimbos no meio de uma ilha de uma avenida....
3. Uma das psicoses produzidas pela maconha, a “psicose esquizofreniforme”, irrompe em pessoas que não tinham absolutamente nenhum sinal prévio de esquizofrenia. A esquizofrenia tem vários sinais prévios e vários sintomas típicos, coisa que estas psicoses da maconha não têm. O início da psicose, a clínica da psicose, sintomas, tudo, coincide com o uso da droga. Eram pessoas psiquiatricamente isentas de psicose ou de graves patologias psiquiátricas antes da maconha. A psicose canábica é muito típica, não é esquizofrenia, não é psicose maníaca, não é psicose depressiva, não é psicose orgânica, ou seja, se diferencia bem (é claro, para quem é verdadeiramente especialista nisto) de outras situações psiquiátricas. Portanto, não foram as situações psiquiátricas que levaram à maconha, foi a maconha que levou às situações psiquiátricas.
4. É claro que muita gente que faz uso da maconha, começa usar, usa pesadamente, já o faz porque tem um problema psiquiátrico prévio, p.ex., hiperatividade, distúrbio de conduta, depressão, ansiedade, obsessão, Tourette, bipolaridade, doença mental orgânica, etc. Mas a maconha piora isso tudo, produz uma piora num quadro que, do ponto de vista psiquiátrico, seria relativamente benigno.
5. Os problemas psiquiátricos da maconha não são simples, não são de fáceis reconhecimento pelo leigo, ou até pelo psiquiatra não especializado. Por exemplo, há:
a- o “efeito parano” (alguns desenvolvem paranóia);
b- síndrome amotivacional (a pessoa vai ficando cada vez mais pastel, mais zen, mais light, vai abandonando as “coisas pesadas da vida”, estudo, trabalho pesado, situações de estresse, etc.) Vai tendendo para a vida passiva, meio hippie, meio “low profile”, meio “vida simples”, meio “sem-ambição”, meio “sem-ganância”. Muitos tendem a achar isso uma “vantagem”, sendo que, na verdade, é uma patologia. A pessoa seria bem mais ativaprodutiva se não fosse a maconha.
c- piora de quadros de ansiedade, síndrome do pânico, surtos de psicose ansiosa, medo difuso, perplexidade, agorafobia.
d- psicose paranóide aguda.
e- psicose esquizofreniforme subaguda, muito parecida com esquizofrenia.
f- psicoses maníacas ou psicoses depressivas, que já falam de um fundo bipolar prévio, mas muito mais perturbado, complicado, refratário ao tratamento.
g- verdadeiros processos de “esquizofrenização” crônica: a pessoa, com o uso da droga, com sua não-cessação mesmo com tratamento, vai se esquizofrenizando cada vez mais, até ficar com uma síndrome quase indiferenciável de uma “esquizofrenia vera”, completamente refratária a tratamentos , completamente incapacitante do ponto de vista laboral, escolar, e as vezes social e familiar.
h- processos de piora das patologias de base subjacentes, ou seja, piora de ansiedade que já existia, piora de depressão que já existia, piora de obsessão que já existia, etc.
i- pacientes buscam “tratar” os efeitos colaterais da própria droga que eles usaram muito tempo, com outras drogas.
Um de meus pacientes, por exemplo, está incapacitado porque desenvolveu síndrome amotivacional pela maconha, que ele interpretou como “depressão por causas naturais”, começou usar cocaína para “se estimular mais por causa do desânimo” e hoje está muito mais grave, está viciado em cocaínacrack, está mais psicótico, está mais amotivacional, está com maiores descarrilamentos afetivos, depressivos, ansiosos, obsessivos. Enfim, com uma doença praticamente incurável, refratária.
6- Enfim, por que a sociedade “defende” a maconha?
a) Por que ela, ao contrário do cigarroálcool, é coisa de jovem, coisa de quem quer questionar o pai, a autoridade, a moral, a religião, a disciplina, a “opressão” fálica, a “opressão do pai”.
b) As mulheres, de modo geral, estão menos tolerantes aos homens, isso gera desfazimento de muitas famílias, que ficam sem a figura paterna. Por outro lado, estas mesmas mulheres que rejeitam os homens, também passam a atacá-los, como ausentes, frios, interesseiros, descompromissados. Passam a atacar a figura do “pai”, ou seja, disciplina, autoridade, provedor de ocupação, de ordem. Isso gera distorções familiares que propiciam a “revolta da maconha”.
c) a maconha passa a simbolizar a luta contra este “homem fálico”, ausente, opressor, disciplinador-sem-dar-amor, homem ambicioso, pai-que-nos-abandonou-como-família, pai-truculento, pai-militar, pai-que-é-puteiro-mas-que-quer-me-dar-lição-de-moral. Faz parte de uma “luta contra o pai”, ou luta contra uma “mãe submissa a esse pai”, uma luta contra o pai que “só preocupa com negócios, ou prazeres, um pai não tá nem aí para a vida afetiva do filho”.
d) É substância natural, vegana, indígena, substância anti-capitalista, substância anti-careta, anti-caretice, substância anti-sociedade-opressora-capitalista, substância-anti-opressão-da-vida-moderna-engravatada, substância-anti-porco- gordo-puteiro-capitalista, substância “rural”, “anti-concreto-da-cidade”, “substância libertária” ( por isso , como diz a Marcha da Maconha, “vamos acabar com a exploração capitalista da maconha”, vamos liberá-la).
e) movimento “meu corpo, minha decisão”, “no meu corpo eu mando”, tipo “pró-aborto”, tipo “pró-liberação-sexual”, pró-sociedade-sem-ambição.
(Texto de Marcelo Ferreira Caixeta. Médico Psiquiatra)