João de Deus ou João do Diabo e os crimes cometidos antes do “escândalo”

17/12/2018 às 20:14 Ler na área do assinante

Fica difícil não acreditar que mais de três centenas de mulheres, entre as quais algumas menores, venham a público afirmar que uma pessoa, supostamente “santa”, fosse, realmente, um devasso. Essa pessoa, conhecida aqui e no exterior como João de Deus (John of God), é um curandeiro de Abadiânia, cidade localizada entre Goiânia e Brasília.

Além de curar pessoas doentes, João de Deus (ou João do Diabo), fazia diversas cirurgias através da incorporação de espíritos de médicos famosos, já desencarnados. Seu nome de batismo é João Teixeira de Faria, e suas consultas, tratamentos e cirurgias eram realizadas na Casa Dom Inácio de Loyola, por ele fundada, em Abadiânia, cuja economia se baseia exclusivamente no turismo proporcionado pelo curandeiro.

Além dos inúmeros processos a que responde, como estupro, assédio, crimes sexuais, contrabando de minério e assassinato, João de Deus é denunciado pela prática ilegal da medicina desde os anos 80.

A casa que fundou para atender os pacientes leva o nome de um jesuíta morto há 400 anos, cujo espirito alega incorporar. Depois dos escândalos, sua vida parece não ter sido tão santa como ele afirma.

Em setembro de 1980 foi processado por crime de sedução contra uma adolescente de 16 anos. Seis anos depois, o processo foi extinto por desinteresse da família, conforme afirma o juiz Alderico Rocha dos Santos, de Abadiânia.

Segundo se alega, os pais da adolescente a deixaram na casa onde os demais pacientes ficam. Depois de três semanas, voltaram para buscar a filha. Nessa ocasião ela contou que tinha sido seduzida pelo curandeiro, com o argumento de que fazia aquilo para que o “santo entrasse nela e a curasse", segundo o advogado da menor, José Antônio Lima.

O advogado de João, Ari Moisés Mariano, afirmou que tudo não passou de invenção da família para tentar extorquir dinheiro.

O segundo processo tramita na 5ª Vara da Justiça Federal de Goiânia. Apura se o local onde as supostas curas eram feitas teria servido de depósito para material radioativo. O processo ainda não está concluído, pois foi aberto após João ter sido preso pela primeira vez, em 5 de novembro de 1985, com 300 kg de autunita, minério com alto teor de urânio, que é um elemento químico do qual se produz combustível para usinas nucleares.

Os três advogados contratados para defender João afirmam que ele foi enganado, pois desconhecia que o material era radioativo, e que estaria apenas transportando o minério até um campo de pouso.

No terceiro processo em que foi acusado, João foi absolvido por falta de provas. O caso envolvia a morte do taxista Delvanir Cardoso Fonseca, assassinado com um tiro nas costas no dia 27 de janeiro de 1980, em Anápolis (GO). Segundo Sebastiana Geralda Costa, amiga de Fonseca, João do Diabo ameaçara matar o motorista caso ele continuasse com o namoro com Tereza Cordeiro de Faria, mulher do curandeiro. A ameaça teria sido feita dois meses antes do crime, segundo Sebastiana. Dois dias após o assassinato, João e Tereza se separaram.

Com relação aos processos por prática ilegal da medicina, o presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás, Sebastião Moreira, disse que a entidade, do ponto de vista administrativo, nada pôde fazer antes, pois é voltada apenas para médicos habilitados. Quanto às “curas” realizadas pelo curandeiro disse que "Algumas pessoas pensam que saem curadas porque, em verdade, eram portadoras de doenças de origem psicológica".

João do Diabo está sendo investigado pela suspeita de crimes sexuais que teriam ocorrido durante as “curas” na Casa Dom Inácio de Loyola,

Segundo o jornal “O Globo”, dezenas de mulheres alegam ter sido abusadas por João do Diabo durante as consultas.

João ficou arrasado. Depois de alguns dias de ausência, voltou à Casa para tentar normalizar sua vida, Houve tumulto na chegada. Alguns bateram palmas; outros ficaram em silêncio. João demorou apenas dez minutos. Depois de dialogar com alguns dos presentes, deixou o local alegando que estava se sentindo mal.

Desde então, o número de denúncias cresce vertiginosamente, levando o Ministério Público de Goiás a anunciar uma força-tarefa para receber relatos e depoimentos das pessoas atingidas. Por outro lado, as denúncias levaram a uma queda no movimento da Casa. Segundo os que nela trabalham, a queda foi de 50%.

Se verdadeiros os relatos publicados pela imprensa, o curandeiro espírita João de Deus (agora João do Diabo), com 76 anos, está realizando o milagre de transformar sua fama de “santo” em criminoso abusador de mulheres.

De acordo com uma série de denúncias, surgidas a partir de uma reportagem da Globo, João de Deus teria usado de sua influência para aproximar-se de seguidoras e abusar sexualmente delas.

Pelo visto, João do Diabo fazia o diabo com as mulheres. Estuprou mais que o médico Roger Abdelmassih, condenado a 81 anos de prisão.

Em uma das reportagens sobre o assunto, uma mulher afirmou que, aos 26 de idade e grávida, foi abusada pelo médium. "Era uma energia boa, tinha uma corrente de coração", disse ela sobre o motivo de ir ao centro do curandeiro.

O médium chamou-a para um “atendimento particular” e mandou-a fechar os olhos. “O que estamos fazendo aqui é uma entidade que te possui sexualmente”, teria dito ele. “Esse contato é para que essa entidade mostre a cara dela”, Segundo a paciente, “você não tem força de discutir com ele”. A cara mostrada não era da entidade, mas de João, que até foi preso novamente.

Luiz Holanda

Advogado e professor universitário

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