A delação premiada - também conhecida como colaboração premiada -, é um instituto de Direito Penal criado para suprir as dificuldades de se encontrar provas para se acusar alguém da pratica de um crime, notadamente os sofisticados, como o de corrupção, praticados pelos criminosos de colarinho branco. O instituto permite que se acompanhe a evolução dos métodos e dos instrumentos utilizados pelos seus autores.
Apesar das dificuldades, a colaboração vem apresentando alguns resultados práticos, principalmente em razão da possibilidade da diminuição da pena para o delator, já que suas informações podem elucidar crimes que, sem a sua colaboração, dificilmente se provariam.
O modelo foi utilizado em países como a Itália, Estados Unidos, Alemanha e outros, até ser introduzido no Brasil pela Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), reforçada pela Lei 12.850/13, que dispõe sobre a colaboração premiada diante dos delitos praticados pelas organizações criminosas altamente sofisticadas.
Sua aplicação, na prática, até hoje gera críticas, havendo argumentos contra e a favor, com predominância para este último, face as mudanças de entendimentos de alguns dos ministros da de nossa Suprema Corte, apesar das liberalidades da maioria.
O problema, em si, não está nas informações prestadas pelo colaborador, mas sim na eficiência das provas oriundas da colaboração. Muitos indagam se o meio utilizado para obtê-las fere algum princípio legal que impeça a sua utilização.
Outros defendem a continuidade de sua utilização face os resultados positivos que permitiu que a justiça colocasse muita gente na cadeia.
Quando o julgamento é realizado exclusivamente com base nas declarações do colaborador - sem nenhum elemento probatório que lhe dê sustentação -, torna-se ato nulo de pleno direito, conforme entendimento consolidado dos nossos tribunais superiores e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Daí a absolvição do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, pela 8ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4), em um dos crimes pelos quais está sendo acusado, por absoluta falta de provas. Para os advogados de defesa, o uso inadequado do instituto ofende os princípios fundamentais do direito penal contidos em nossa Carta Magna.
Considerando que esse direito é regrado pela predominância do princípio da verdade real, as provas oriundas da colaboração devem ser incontestes, não podendo haver dúvidas quanto a culpa do acusado. Essa é a razão da soltura de muitos prisioneiros quando os crimes por eles praticados não são devidamente comprovados.
Para se conseguir alguma prova robusta leva-se, muitas das vezes, anos de investigação, assim mesmo sabendo-se que o resultado pode ser anulado por alguma falha durante sua colheita ou por algum interesse maior.
Quando não existem provas capazes de subsidiar uma acusação, o juiz pode ponderar os efeitos da colaboração, independentemente de quem a faz. Se existem provas, as regras do ônus de confirmá-las são completamente desnecessários. Se não existem, quem alega é obrigado a prová-las.
Essa necessidade de se provar o alegado dá-se porque, na maioria das vezes, não se tem outra prova senão a alegação. Quando os ministros do STF negaram o recurso em que um diretor da Galvão Engenharia, réu na Operação Lava Jato, contestava a homologação feita pelo ministro Teori Zavasck do acordo de colaboração assinado pelo doleiro Alberto Youssef, o caminho para a mudança começou.
O recurso contra a homologação foi negado pelo colegiado em decisão unânime, O plenário, na linha do ministro relator, Dias Toffoli, entendeu que a colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, era “um negócio jurídico processual”. Para a ministra Rosa Weber, seu elemento ontológico não está na pessoa do colaborador, mas sim no pragmatismo e no interesse da persecução penal e na perspectiva de se reduzir os danos causados pelos crimes que orientam a razão de ser da própria colaboração.
O acórdão considera que a colaboração premiada é um meio de prova, face o que dispõe o art. 3º da Lei 12.850/13. O relator, se assim entender, pode homologá-la (art, 4º, § 7º) da mesma Lei. Por se tratar de um negócio jurídico personalíssimo, o acordo não pode ser impugnado pelos coatores e colaboradores do delator no crime. O que eles podem fazer é confrontar as provas carreadas aos autos assim como as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente impostas.
O problema é que, face as últimas decisões de nossa Suprema Corte, a colaboração premiada já não consegue produzir os efeitos desejados.
Uma condenação baseada apenas em provas obtidas em delação premiada vai ser difícil ser mantida, principalmente no STF, onde a liberalidade é uma regra, garantida pela maioria.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário