A miséria do multiculturalismo e a agonia do mundo civilizado

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Poder-se-ia dizer que a degenerescência e o fim de uma civilização podem ser entrevistos a partir de alguns “sintomas”. Por exemplo, Em 1947 o sociólogo de Harvard, Carl Zimmermann, publicou um estudo seminal (‘Family and Civilization’) no qual ele analisou o desdobramento da ideia de família desde os gregos, passando pelo período romano e pelo medievo, chegando, por fim, no século XX. Ele analisa a ascensão e declínio das civilizações e observa que elas ocorrem paralelamente à ascensão e declínio da instituição da família. Em verdade, ele nos mostra que a decadência das civilizações é precedida pela dissolução da família, o que aponta para uma evidente correlação entre os dois fenômenos. Segundo ele observa, dentre os elementos que indicam o declínio da família (e posterior decadência civilizacional) estão a perda da sacralidade do matrimônio (sua banalização), a trivialidade do divórcio, o desrespeito aos pais (e, consequentemente, às autoridades), a delinquência entre os jovens, a promiscuidade, a rejeição da responsabilidade inerente ao casamento e à vida familiar, etc. Assim, a partir do século XX a dissolução da família se tornou, novamente, um flagelo social.

Thomas Sowell e Walter Williams logram demonstrar, por exemplo, que a família negra, nos USA, era mais forte no primeiro século (1863 aos anos 1960) após a escravidão do que durante o segundo século após a abolição (desde os anos 1960). De acordo com a ‘Encyclopaedia of the Social Sciences’ de 1938 havia, nos USA quando da publicação dessa edição, 11% de crianças negras nascidas de mães solteiras. Atualmente 75% das crianças negras são filhas de mães solteiras. Conforme Sowell e Williams, em todos os censos realizados de 1893 a 1954 os negros apareciam tão ou mais ativos do que os brancos no mercado de trabalho. Ou seja, eles estavam prosperando sem o auxílio do estado e dos “justiceiros sociais” (na verdade eles estavam prosperando provavelmente por estarem livres do estado e dos “justiceiros sociais”).

Mas o que teria causado tal retrocesso na prosperidade da família negra? Ora, dentre as causas dos problemas enfrentados pelos negros estão, por exemplo, o assistencialismo estatal e a dissolução de valores e instituições como, por exemplo, a família. Sem falar, é claro, que os negros, tal como ocorre com as mulheres, com os gays e com todas as chamadas “minorias”, foram sequestrados pela esquerda (pelos “justiceiros sociais”) e adotados como suas “mascotes”. Como disse Walter Williams recentemente, “O maior dano causado aos negros nos USA é infligido pelos políticos, pelos líderes dos direitos civis e pelos acadêmicos, os quais sustentam que todos os problemas enfrentados pelos negros resultam de um legado de escravidão e discriminação. Essa é uma visão que garante a perpetuidade dos problemas”.

Com efeito, esse seria um dos exemplos que indicam que a degenerescência moral (estimulada sobretudo pelo relativismo inerente ao “multiculturalismo”) precede o advento de diversos problemas de caráter social, político, econômico, etc. Há uma evidente correlação, então, entre decadência da estrutura familiar e esfacelamento social.

Mas o ponto é que sob a ideia de “multiculturalismo” está oculta uma agenda com fins que, no longo prazo, são causa de corrupção social, cultural, educacional, econômica, etc. Em primeiro lugar está a raiz do problema, a saber, o referido relativismo. Ou seja, está a ideia de que não existem ‘absolutos morais’, de que qualquer “aglomerado” constitui, por exemplo, uma família. No entanto, sabemos que a família “tradicional” monogâmica é uma eficiente promotora de prosperidade individual e social. Como amplamente documentado por diversas pesquisas, crianças criadas em ambientes familiares de pouco conflito (e com seus pais biológicos) se saem melhor nos diversos quesitos utilizados para se mensurar seu desempenho individual e social (por exemplo, crianças nascidas em lares sem o pai – como nos mostram os estudos de David Popenoe, dentre outros - são mais propensas a deixar a escola, incorrer em delinquência, em uso de drogas, a se juntar a gangues, cometer crimes, ir para a prisão, morrer por suicídio, bem como são mais propícias a viverem na pobreza). Portanto, há, sim, modelos familiares mais adequados seja para a formação do caráter individual seja para a prosperidade social. Nem todo “aglomerado” é uma boa ideia de família.

E quanto aos modelos de sociedade? Aqui os “multiculturalistas” frequentemente expressam seu desprezo pela cultura ocidental e por alguns de seus valores, como os de empreendedorismo, livre mercado, individualismo, mérito, propriedade privada, etc. Isso fica claro especialmente em sua visão romântica de povos primitivos e, claro, de sociedades socialistas (anticapitalistas). Nesse sentido, para eles pouco importa que os povos primitivos que eles tanto elogiam fossem mais propensos à violência do que os povos civilizados (como o demonstrou de forma detalhadamente documentada Steven Pinker); pouco importa para eles também que, se nos deixássemos inspirar por esses mesmos povos, ainda estaríamos vivendo em pardieiros, andando seminus, dormindo no chão, sujos, comendo coisas (criaturas) repulsivas, etc. Também pouco importa para eles que os regimes anticapitalistas, por eles tão enaltecidos, tenham causado a morte de milhões de seus próprios cidadãos (em “Death by Government” Rudolph Rummel nos mostra, por exemplo, que a União Soviética causou a morte de mais de 60 milhões de pessoas, bem como que a China causou, de 1949 a 1976, a morte de 78 milhões de seus próprios cidadãos. Ou seja, perto de regimes como esses Hitler foi um amador medíocre). E mesmo assim os “multiculturalistas” insistem que não há culturas melhores, embora tendam a, contraditoriamente, tecer elogios especialmente às piores (como às acima citadas). Eles ignoram perguntas básicas, do tipo: “Por que certos povos ou se extinguiram ou estão em vias de se extinguir?”, “Por que as pessoas fogem de regimes socialistas?”, “Por que não sabemos de caso algum de alguém que tenha embarcado em uma balsa precária – sob alto risco de morrer - para fugir da Florida para Cuba?”

É um fato que as pessoas, quando almejam prosperar, fogem para sociedades ocidentais capitalistas. Por que? Ora, porque nessas sociedades elas encontram os meios para progredir. Mas os “multiculturalistas”, desde seu bunker (a Universidade), seguem pregando a igualdade entre as culturas, sob a égide de conceitos como ‘identidade’, ‘diversidade’, etc. A partir disso inclusive áreas acadêmicas foram criadas, como as voltadas para “estudos étnicos”, “estudos “multiculturais”, “estudos de diversidade”, “estudos de inclusão”, “estudos de desigualdade”, “estudos de gênero”, etc, as quais não são realmente estudos em seu sentido sério (enquanto aplicação zelosa da inteligência com vistas ao conhecimento, o que envolve inclusive a aquisição e desenvolvimento de habilidades cognitivas), mas apenas propaganda antiocidental vulgar. São, em suma, áreas altamente acolhedoras para aqueles que apenas desejam se divertir às expensas dos pagadores de impostos.

Mas o terrível é que disso tudo decorrem diversos flagelos sociais, os quais são oriundos do colapso dos pilares civilizacionais, tão hostilizados pela mentalidade “multiculturalista”. Dentre os indicativos de futura degenerescência social temos, além do acima referido enfraquecimento da ideia de família, a ruína educacional. Com efeito, o malogro de nosso modelo educacional é hoje mensurável. Basta observarmos os resultados: não apenas somos um fracasso no resultado do teste internacional de PISA e em qualquer outro que se aplique, como também sabemos que “incluímos” nas Universidades os mesmos sujeitos pessimamente formados em nossas escolas. Resultado? Segundo o ‘Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho’ (2016), do Instituto Paulo Montenegro, apenas 22% dos estudantes em vias de concluir o curso universitário (ou que recentemente o concluíram) são “proficientemente alfabetizados”. Ou seja, temos 78% de estudantes, ou se formando ou em vias de se formar em nossas Universidades, que não sabem, ainda, ler e interpretar um texto adequadamente (suponho que os não proficientemente alfabetizados estão, em sua maioria, nas ‘humanidades’, focados nos “estudos étnicos”, “estudos “multiculturais”, “estudos de gênero”, etc.). Imaginem, então, em que nível estão os calouros. Em breve nós, professores universitários, teremos que alfabetizar os que ingressam na Universidade (na verdade, essa já seria uma necessidade). Eis os frutos da “pedagogia inclusiva” inspirada na “diversidade” e na “pluralidade étnica e cultural” do patrono da educação brasileira.

Poder-se-ia mencionar, ainda, outro resultado perverso do relativismo, qual seja, a vitimização do criminoso. Dado a aversão dos “multiculturalistas” à sociedade capitalista civilizada ocidental, frequentemente eles a culpam pelos males vigentes, como se não houvesse responsabilidade individual e livre arbítrio (como se todos fossem “bons por natureza” e a sociedade – capitalista – os tivesse corrompido). Assim, faz parte do seu acervo de ideias tóxicas uma espécie de determinismo que assume o criminoso como “vítima da sociedade” (da sociedade capitalista, é claro). Ou seja, um sujeito que rouba não o faz por uma escolha (errada) individual, mas por determinação de uma sociedade capitalista e consumista. Portanto, ele se torna inimputável: Uma vítima. Isso obviamente acaba enviando à sociedade algumas indicações doentias, como, por exemplo, um estímulo à criminalidade (dado ignorar a liberdade individual e consequente responsabilidade), bem como a ideia de que às vezes roubar é justificável, compreensível, que vale a pena, etc. E dessas ideias advém a leniência com que a mentalidade esquerdista trata o criminoso, uma visão que hoje já não está restrita às Universidades, mas já se espraiou perniciosamente pelo judiciário.

Poderíamos, ainda, citar outros efeitos degenerescentes do “multiculturalismo”, sobre a arte, sobre a cultura em geral, etc. Mas os exemplos acima são suficientes para nos mostrar em que sentido o “multiculturalismo” está fragmentando os pilares de nossa civilização, conduzindo-a ao seu fim. Ou resgatamos nossa cultura e valores superiores ou estamos destinados contemplar o ocaso de nossa já agonizante civilização.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito).

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