O voto do ministro Luis Roberto Barroso, na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (a sessão prossegue hoje, quinta-feita) foi profundamente político e, infelizmente, nada, nada, juridico. Já o voto do ministro Alexandre de Moraes, que divergiu de Barroso, foi um voto eminentemente jurídico. Daí o resultado provisório de 1 a 1 para o STF manter, cassar ou modificar o decreto de indulto que Temer assinou no Natal de 2016.
Barroso deveria ter penetrado a fundo na questão jurídica, da mesma forma que fez com a visão política. Faltou Barroso dizer que a Constituição Federal outorga, sim, ao presidente da República o poder discricionário de conceder indulto e comutar penas,
"Artigo 84, inciso XII da CF: "Compete privativamente ao Presidente da República....XII conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei".
Essa parte final do artigo é bobagem. É para inglês ver. Presidente da República tem o poder e a legitimidade de indultar e comutar penas sem ouvir ninguém. E pode indultar quem ele quiser, individual ou coletivamente. Seja o condenado a pena pequena ou de longa duração.O ato do presidente é discricionário, ou seja, depende da conveniência e da oportunidade exclusivamente do presidente da República. É um absurdo?. Sim, mas está na Constituição Federal desde sempre. Os indultos fazem parte da História da Humanidade.
Acontece que o decreto de indulto - e nessa parte Barroso não penetrou fundo - como ato administrativo do Chefe do Executivo, não pode ferir a moralidade nem ser marcado pelo desvio de finalidade. Quando isso acontece, aí o Judiciário pode rever o indulto do presidente. Ele deixa de ser discricionário para ter endereço certo, como foi o caso desse indulto que o STF está examinando, que reduziu para um quinto (20%) da pena, e não estabeleceu o limite máximo do tempo da condenação, deixando em aberto.
Se o STF confirmar o tal decreto, que atenta contra a moralidade administrativa e tem a marca do desvio de finalidade, até Sérgio Cabral pode ser solto. Sim, pode ser solto, por que não?. Seus quase 180 anos de prisão estão previstos no decreto de indulto de Temer, que não fixou a pena máxima. Além disso, Cabral se encontra preso e nenhuma de suas condenações transitou em julgado. E mesmo que tivesse transitado, o decreto de Temer seria favorável a Cabral. Cita-se Cabral por ser o político que até agora soma o maior número de anos de condenação. Lula também é favorecido. Até o goleiro Bruno sai da cadeia. É um verdadeiro bota-na-rua. Um "solta a boiada".
O tal Decreto (ato administrativo) de Temer desviou da sua finalidade, que deveria ser razoável, saudável e merecida. Ou seja, mandar soltar quem pode ser solto, por motivos plausíveis e razoáveis. Não para quem cometeu crimes de lesa-pátria, que são crimes hediondos por natureza, sem necessidade que exista lei prévia assim os qualificando.
Crime de lesa-pátria é crime contra o Estado Brasileiro, crime contra a Segurança Nacional, crime contra o Povo Brasileiro. Crime que produz milhões de vítimas. Crime de corrupção, na medida que está sendo apurada, processada e os responsáveis condenados, são crimes abomináveis, insusceptível de indulto ou comutação de pena. Nesta quinta-feira foi a vez de Pezão, governador do Rio ir para a cadeia se juntar com Cabral.
Portanto, Barroso faltou insistir, com a boa retórica que Deus lhe deu e a didática própria de todo professor, que o decreto de Temer feriu a moralidade administrativa e desviou de sua finalidade. Isto porque o fim almejado pelo decreto foi o de permitir a soltura de todos os condenados pela Lava Jato e outras operações congêneres. O decreto é desarrazoado, agride frontalmente a razoabilidade, porque não se pode admitir libertar com apenas 20% do cumprimento da pena quem roubou o dinheiro do povo e por causa disso desfalcou os serviços e obrigações essenciais e básicas que o Poder Público tem o dever de prestar a seus súditos.
Qualquer ato que contenha imoralidade administrativa e desvio de finalidade é ato passível de ser revisto pelo Poder Judiciário, ainda que se trate de ato discricionário do presidente da República, como é o caso do indulto. E nada impede - ouso dizer - que o presidente eleito Jair Bolsonaro, já no 1º de Janeiro de 2019, primeiro dia seu governo, das muitas medidas provisórias que estão sendo preparadas e serão divulgadas e publicadas, uma delas venha ser a Medida Provisória que revoga o decreto de indulto de Temer. O indulto de 2016, que o STF está analisando. E o indulto de 2018, que certamente está sendo redigido para ser publicado, beneficiando também facínoras-assaltantes do povo brasileiro.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)