A absurda intromissão do Congresso Nacional nas agências reguladoras

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Tramita na Câmara dos Deputados Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 917/18, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que susta determinado artigo de resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que prevê punição para casos de evasão e obstrução à ação fiscalizatória com multa de R$ 5.000,0 (cinco mil reais). Segundo o projeto, houve um extrapolamento de competência por parte da Agência em regulamentar uma ação para a qual já existe previsão no código de trânsito brasileiro.

Mais uma vez a sociedade assiste intromissão do Congresso Nacional em atos das agências reguladoras. Estas entidades foram criadas com a finalidade de regular mercados e por esse motivo possuem competência legislativa em suas respectivas áreas de atuação. No caso da ANTT, o próprio Poder Judiciário vem reconhecendo a legalidade dessas autuações, as quais os parlamentares sustentam absurdamente se tratar de extrapolação de competência.

Dizer isto é desconhecer as competências e atribuições legais da ANTT, conferidas pelo próprio congresso nacional. Isto porque a entidade acumula, por força de lei, atribuições afetas à regulamentação e fiscalização dos serviços de transportes terrestres e ainda a fiscalização do excesso de peso em rodovias federais concedidas – que são as rodovias federais administradas pela iniciativa privada, remunerada através da tarifa do pedágio.

O posto de fiscalização da ANTT não se restringe a fiscalizar apenas o excesso de peso – que é uma das principais causas de acidentes e danos ao pavimento. Por questão de otimização e eficiência da máquina pública são fiscalizados todos os aspectos que envolvem a regularidade da prestação dos serviços de transporte terrestre. Todas as infrações são disciplinadas por resoluções da própria agência, exceto às afetas ao excesso de peso, prevista no código de trânsito brasileiro.

Quando o transportador deixa de cumprir a determinação legal para se submeter à fiscalização, ele não está apenas deixando de ser submetido à pesagem, mas sim de ser fiscalizado quanto à prestação do serviço delegado ou autorizado: do transporte interestadual e internacional de passageiros e cargas; de verificar a validade do registro nacional do transportador rodoviário de cargas; do transporte de produtos perigosos, do uso do vale-pedágio; do pagamento eletrônico do frete e agora do respeito à tabela mínima de preços do frete.

Assim já entende o poder judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o AgRg no Ag 1.385.805/SP, de relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, ratificou que “o transporte de cargas não é livre, mas submetido à autorização estatal, não havendo, assim, direito a efetuá-lo de qualquer forma, mas apenas dentro das normas fixadas”.

Ou seja, há de ser compreendido e entendido de uma vez por todas que a ANTT não é norteada apenas pelo código de trânsito brasileiro. Este códex é apenas um dos normativos que ela executa ao realizar uma das várias fiscalizações que existem em seu rol de atuação.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça também já sedimentou. Ao julgar o REsp 1681181/RS, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, asseverou que “consoante precedentes do STJ, as agências reguladoras foram criadas no intuito de regular, em sentido amplo, os serviços públicos, havendo previsão na legislação ordinária delegando à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos no seu âmbito de atuação. Dessarte, não há ilegalidade configurada na espécie na aplicação da penalidade pela ANTT, que agiu no exercício do seu poder regulamentar/disciplinar, amparado na Lei 10.233/2001. 2. O Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, concluiu que não se trata de autuação por infração de trânsito decorrente da não submissão à pesagem, mas de infração ao normativo da ANTT que dispõe sobre a hipótese de evasão, obstrução ou qualquer outra forma de embaraço à fiscalização”.

É evidente que o Congresso Nacional se contradiz quando diz querer o fortalecimento das agências reguladoras e por outro lado pratica atos como o referido decreto legislativo – para sustar normativo expedido por uma agência. Em que pese às agências possuírem elo com o parlamento, em virtude da sabatina dos diretores ser realizada pelo Senado após indicação pelo presidente da República, elas possuem quadros técnicos de servidores efetivos – admitidos através de concurso público – com formação a altura das atribuições legais de cada agência. E, portanto, seus atos devem ser questionados com argumentos técnicos.

Foto de Raphael Junqueira

Raphael Junqueira

raphaelfjd@terra.com.br 

Advogado e servidor público, pós graduado em direito penal e em gestão e normatização de trânsito e transporte.


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