VIGARICE ACADÊMICA: Já nem conseguimos distinguir entre uma piada e uma pesquisa “séria”
27/11/2018 às 21:04 Ler na área do assinanteEmbora nas últimas décadas tenhamos acompanhado um avanço da mentalidade esquerdista em diversas esferas, não há dúvida de que ela prosperou sobretudo em nossas Instituições de ensino. Não apenas isso, diversas ideias foram engendradas por essa mesma mentalidade desde dentro de nossas Universidades, especialmente das chamadas “humanidades”.
Uma das primeiras exposições amplamente documentada e implacável da vigarice acadêmica vigente nas “humanidades” foi feita por Roger Kimball, em seu excelente “Radicais nas Universidades”. Desde sua primeira edição, em 1990, o livro tem sido uma referência não apenas para compreendermos a degenerescência da educação “humanística” nas Universidades estadunidenses, mas também a decadência das “humanidades” nas Universidades brasileiras. Afinal, fomos “contaminados” pelas mesmas ideologias fracassadas (Escola de Frankfurt, Pós-Modernismo, Pós-Estruturalismo, etc) que se infiltraram parasitariamente nas Universidades estadunidenses.
Nesse sentido, Kimball nos mostra como a mentalidade esquerdista impôs às Universidades, inicialmente a partir de suas “humanidades”, ideias como a ideia de “desconstrução” (ou seja, de que não há verdade alguma, que tudo é uma questão de “perspectiva”, de “interpretação”), a ideia de “estudos feministas”, os quais querem abolir a leitura e estudo dos grandes clássicos da literatura, da filosofia, etc (pois seus autores são homens), a ideia de “estudos étnicos” e “de terceiro mundo”, os quais pretendem abolir a cultura europeia, pilar de nossa civilização, etc.
Sem falar na ideia de vitimização do criminoso e na visão romântica de povos primitivos.
Em suma, tal visão se opõe radicalmente a ideias tais quais as de ‘verdade’, ‘simetria’, ‘perfeição’, ‘absolutos morais’, ‘beleza’, ‘perfeição’, ‘responsabilidade’, etc. Conforme temos aprendido em nossas Universidades, tais ideias são oriundas de uma cultura ‘masculina’, ‘heteronormativa’, ‘branca’, ‘burguesa’, ‘opressora’, etc. Nesse contexto temos formado sujeitos incompetentes intelectualmente, confusos moralmente, socialmente desajustados e emocionalmente alienados, algo empiricamente mensurável a partir das pesquisas que revelam diversos de nossos atuais flagelos sociais. Assim, o que temos, hoje, especialmente no ambiente universitário, é um ímpeto anti-intelectual, um ambiente ideologizado e distante de preocupações com a busca pelo conhecimento (afinal, que relevância tem o estudo quando não há conhecimento a ser buscado?)
Noutros termos, nossas Universidades, distantes de seu propósito originário, têm promovido o colapso dos pilares que sustentam nossa civilização. Nesse sentido, não buscamos, atualmente, pelo aperfeiçoamento das nossas capacidades e habilidades (fonte de prosperidade individual e social); não apenas isso, estamos imersos em um ambiente frequentemente hostil aos valores e à cultura ocidental de uma maneira geral. E isso porque alguns dogmas se enraizaram na cultura acadêmica e se tornaram quase totalmente dominantes.
Alguns fatos exemplificam o que estou afirmando. São situações que apenas poderiam ocorrer no contexto acima descrito.
Dito de outra maneira, somente quando certos dogmas passam a viger é que podemos ter situações como aquelas descritas, por exemplo, por Allan Sokal em uma crítica fatal ao “pós-modernismo” em particular e às nossas “humanidades” em geral.
Com efeito, em 1996 Sokal decidiu colocar as supostas bases científicas do pós-modernismo sob o crivo da crítica. Com esse propósito previamente estabelecido ele escreveu um artigo intitulado “Transgredindo as fronteiras: Rumo a uma transformação hermenêutica da Gravitação Quântica”.
Nesse texto ele intencionalmente defende teses cientificamente absurdas, as quais poderiam ser desmascaradas inclusive por alguém com um conhecimento elementar de Física. E ele enviou esse texto para o mais influente periódico pós-moderno à época, o ‘Social Text’, o qual era dedicado aos estudos culturais pós-modernos. O que Sokal pretendia saber era se seu texto, por mais absurdas que fossem as ideias nele defendidas, seria publicado. E ele foi publicado ainda em 1996 em uma edição especial do periódico, cujo tema era: Science Wars. A ideia central do periódico era mostrar que a ciência é “construída socialmente”. Segundo os pseudoteóricos pós-modernos não haveria qualquer verdade inerente à prática científica. Suas “verdades” seriam uma espécie de ficção acerca da qual haveria consenso.
Dessa maneira, Sokal mantém, em seu artigo de brincadeira (de “mentirinha”), que a gravitação quântica seria uma mera invenção (“construção”) a partir de convenções linguísticas. Ele intencionalmente fez diversas afirmações anticientíficas, como, por exemplo, a de que o número PI e a teoria da gravitação universal são meras “construções sociais”.
Em seus termos: “O Π de Euclides e a G de Newton, inicialmente pensadas como constantes e universais, são agora percebidas em sua inelutável historicidade”. Assim, ele afirmou a “historicidade” (relativismo) de teses reiteradamente comprovadas pela experimentação e formalizadas por equações matemáticas.
Com efeito, o texto foi publicado e, logo após sua publicação (ainda em 1996), Sokal revelou, em outro artigo publicado por outro periódico (‘Social Text’ não aceitou publicar esse último), que ele havia apenas pregado uma peça. Sim! O primeiro texto era apenas uma piada. Ele queria apenas testar até onde iria a propagação de absurdos pseudocientíficos pelos pós-modernos. Ele pretendia verificar até que ponto os pós-modernos levariam seus mitos e falácias. Afinal, qualquer referee minimamente instruído em física e matemática perceberia as graves falhas do artigo.
Posteriormente veio o golpe derradeiro com o livro “Imposturas Intelectuais”, escrito por Sokal e Jean Bricmont e publicado em 1998, no qual diversos autores, ainda influentes nas “humanidades” (Alain Badiou, Baudrillard, Deleuze, Derrida, Foucault, Guattari, Julia Kristeva, Lacan, Lyotard, et al), foram expostos em sua deslealdade por Sokal e Bricmont.
Outro experimento que evidencia a “impostura” vigente nas “humanidades” foi realizado mais recentemente (2017) por Peter Boghossian e James Lindsay, os quais publicaram, no periódico acadêmico ‘Cogent Social Sciences’, o academic hoax intitulado “O pênis conceitual como uma construção social”.
Com esse artigo os autores mostram especialmente a vigarice chamada “estudos de gênero”. Os autores escreveram o artigo justamente para ver se alguns absurdos, como a ideia do pênis como “constructo social” e “causa de mudança climática”, seria publicado. E, a exemplo do que ocorrera com o texto de Sokal, o texto foi publicado.
Recentemente (2018) Peter Boghossian, James Lindsay e Helen Pluckrose fizeram outro experimento similar, mas mais abrangente. Elaboraram estudos intencionalmente falsos com diversos erros, passagens sem lógica alguma, etc. Novamente, encaminharam esses textos propositalmente ridículos para periódicos com “pesquisas” e “teorias” sobre questões de raça, gênero, sexualidade, feminismo, etc. Ou seja, para aquelas áreas nas quais vige a vigarice, as quais costumam se referir a si mesmas como “estudos”. Não surpreendeu que alguns desses absurdos tenham sido publicados, como, por exemplo, o artigo “Reações Humanas à Cultura de Estupro e Performatividade ‘Queer’ em Parques Urbanos de Portland, Oregon”, no qual é colocada a questão: “Os cães sofrem de opressão baseada no gênero percebido?” Nesse “estudo” era investigada a suposta cultura do estupro em parques e se defendia o “adestramento” dos homens tal como é feito o adestramento com cães.
Em outro artigo sustentavam que a prática da masturbação anal entre homens é uma forma efetiva de se combater a homofobia. Em outro defendiam que a masturbação realizada enquanto se pensa em uma mulher sem seu consentimento é uma forma de violência sexual. Noutro, ainda, propunham que o horóscopo fosse inserido na astronomia com o objetivo de minimizar o machismo, a homofobia e o etnocentrismo vigente nessa área. Um capítulo de “Minha Luta”, de Hitler, foi inclusive reescrito para a defesa do feminismo. Sem falar na proposta de uma “astronomia feminista” (“Estrelas, Planetas e Gênero: Uma estrutura para uma astronomia feminista”).
Em suma, somente em um estado de coisas de vil degenerescência educacional textos como esses são publicados.
E ideias como essas abundam em nossas Universidades: são disciplinas, eventos, artigos, livros, etc, todos frequentemente subsidiados com o dinheiro dos pagadores de impostos (abordo exemplos de eventos, dissertações e teses aqui:
Por essa razão algumas medidas deverão ser implementadas com urgência pelo próximo governo, especialmente com vistas à retomada de nossas instituições de ensino superior das mãos dos bárbaros, os quais têm engendrado as ideias mais bizarras e estúpidas desde dentro das Universidades, de tal forma que já nem sabemos mais distinguir uma piada de uma pesquisa real.
Um caminho será certamente a adoção do “modelo da hélice tríplice”, o qual pretende uma aproximação da Universidade com o Governo e com o Setor produtivo. Ou seja, o foco em pesquisas que tenham, também, valor de mercado e aplicação prática. Ou seja, dado o custo de uma Universidade pública para os pagadores de impostos, parte significativa de suas pesquisas deverá reverter em algum benefício social (econômico, tecnológico, etc).
Quanto às áreas com menor valor de mercado, deverá, sim, haver um redimensionamento dos investimentos com vistas ao fomento do que realmente é relevante.
Não podemos continuar subsidiando pesquisas que se confundem com piadas de mau gosto.
(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)