Artigo: São Pedro está de brincadeira?
Sai ano entra ano, as enchentes estão afogando e desalojando muita gente.
24/05/2015 às 01:05 Ler na área do assinanteParece que S. Pedro está de mal com os brasileiros. Pois, a cada ano tem desabado uma chuvarada, provocando inúmeras tragédias nas mais diversas partes do país que, por imprevidência, não estão preparadas para esses cataclismos. É uma judiação só, porém democrática que atinge tanto pobres e miseráveis quanto turistas endinheirados. Parece até que o velho santo resolveu contrariar o teórico do absolutismo, Machiavel, que orientava que quando se quer fazer o “bem”, deve-se fazê-lo aos poucos para todos perceberem e, ao contrário, quando se deve fazer o “mal”, este deve ser feito de uma só vez para todos se esquecerem mais depressa. Porém, o contrário está acontecendo. Assim, muitas regiões, de norte ao sul do país, estão se afundando em água, lama e excrementos.
Sai ano entra ano, as enchentes estão afogando e desalojando muita gente. Porém, não se pode simplesmente responsabilizar os céus. Está certo que o país vem sofrendo ocorrências de chuvas excessivas, muito fortes e, de certa forma, imprevisíveis.
Por que o clima mudou? Meteorologistas e técnicos do setor correm para entender o que está acontecendo e culpam o chamado “El Ninho”, na falta de explicação melhor. Mas, com certeza é uma resposta da natureza a centenas de anos de agressividade provocada pela insanidade de ações predatórias do homem. É uma exploração que não tem fim e não permite que a natureza se recomponha. A preocupação com políticas de preservação ambiental e as ações sustentáveis são muito recentes e ainda incapazes de atenuar o problema.
Em primeiro lugar, existe implícita a responsabilidade das autoridades que sempre permitiram tudo para não contrariar interesses, principalmente para atender objetivos eleitorais. Há uma omissão criminosa por parte de autoridades responsáveis que fecham os olhos para processos de ocupação humana em encostas e outras áreas de preservação necessária e obrigatória. Isso sem mencionar o escorpião da corrupção. Vejo que não existe nenhum planejamento habitacional na construção de casas (em especial de baixa renda) na periferia das cidades, geralmente em morros, margens de rios ou represas. Essas moradias são erguidas única e exclusivamente pela iniciativa de gente abandonada pelo poder público, como se sabe através dos jornais que sempre tem noticiado desmoronamentos, soterramentos e tragédias familiares.
Não havendo alternativas melhores, a população dessas áreas de risco recusa-se a abandonar seus barracos mesmo diante de chuvas constantes. Além do mais, são eleitores e nenhum político com instinto de sobrevivência eleitoral deseja contrariar essa gente.
De quem é a culpa, afinal? Dos que sonham com uma casa própria, mesmo miserável e pendurada nas pontas dos morros? É claro que não. Os responsáveis são os que permitiram o avanço “imobiliário” em lugares perigosos, em paisagens paradisíacas, em regiões baixas como, por exemplo, nas várzeas do rio Tietê, em São Paulo, onde há um bairro com o irônico nome de “Pantanal” e na época das chuvas seus moradores chafurdam em lama, lixo e esgoto. A irresponsabilidade é tanta que existem nesses lugares conjuntos habitacionais financiados com dinheiro público. Mas, a impunidade garante que nada vai acontecer aos verdadeiros responsáveis.
Aqui em Campo Grande, a cada instante aparecem espigões, “comendo áreas verdes”, com espaçosas garagens em subsolo, não permitindo o escoamento de águas fluviais. Muitos inclusive, às margens dos nossos principais córregos. Será que existem neles as custosas usinas de tratamento de esgoto? Contudo, alguém autorizou essas construções.
Por outro lado, também existem em grande quantidade pessoas que, motivadas pela ignorância e pela falta de civilidade, contribuem muito para esse caos. São as que jogam todo tipo de lixo (sacos plásticos, embalagens “pet”, móveis descartados, só para nomear alguns) que, invariavelmente, entopem as “bocas de lobo” e os pequenos rios locais. O resultado é que, em vez de escoar a enxurrada, a água e o lixo voltam, transbordando e inundando tudo. Basta ligar a televisão, após a queda de qualquer aguinha do céu, para ver esses tristes e deprimentes espetáculos. Neste caso, a culpa também recai sobre o poder estadual que não cumpriu o seu papel de educar e transformar o indivíduo em cidadão para atuar na comunidade com responsabilidade e respeito à natureza e ao próprio ser humano.
Não adianta reclamar com São Pedro. Ele é o mais inocente de todos.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.