Porque pedi habeas-corpus para os médicos cubanos no Brasil (Veja o Vídeo)
20/11/2018 às 11:31 Ler na área do assinanteSou assim, fui assim e continuo sendo assim.
O peso da idade (72) reduziu minha atividade profissional. Não, o entusiasmo. Não, a vontade incontida de estender a mão ao próximo. Ninguém sobrevive sem o próximo. O outro é parte de todos.
Nós, os humanos, formamos um só corpo.
Aquele lema da prestigiada e respeitabilíssima organização Médicos Sem Fronteira é a mais pura verdade que ouvi que já foi dita:
"Só um ser humano pode salvar a vida do outro ser humano".
É um brado que diz tudo sobre a importância do outro na vida de cada um de nós.
Não tenho o menor apego às coisas e aos bens materiais. A espiritualidade é que é tudo. A vida é eterna e a eternidade está no espírito e não na carne que tem início, meio e fim.
E os nossos mortos, emancipados das necessidades materiais e vitais, eles não cessam de nos amar, de pensar em nós e interceder a Deus por nós.
"Os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos: tal é a lei fundamental da ordem humana" (do Catecismo Positivista, Augusto Comte).
A legalidade é outra obstinação que sempre tive, e nunca perdi.
Nos 45 anos de exercício da advocacia só defendi vítimas sobreviventes e familiares de vítimas fatais de tragédias.
E assim agi e advoguei sem pensar em ganhar dinheiro, e sim de realizar Justiça e a todos confortar.
E hoje não sou um advogado rico. Moro em casa alugada. E cada cliente que me procurou no escritório ou em casa foi uma lágrima derramada: erros médicos, mutilações, óbitos, mau atendimento hospitalar, mortes nos presídios, chacina da Candelária, pingentes que caíram do trem, queda no elevado Paulo de Frontin, queda do Palace II de Sérgio Naya estão entre as mais de 30 mil ações indenizatórias que advoguei.
E tudo gente pobre. Rico não anda de trem, nem mora nos subúrbios do Rio. Rico não procura a rede pública de saúde do Rio, que quase sempre o paciente entra e de lá sai cadáver.
"O Chato Útil". Foi este o título que a Revista Veja-Rio de Novembro de 1993 estampou debaixo da minha foto de capa inteira daquela edição. Não me importei.
Não reclamei com Ancelmo Góis, então chefe da reportagem da "Vejinha", nem com Mário Sérgio Conti, editor-chefe da revista. O título era capcioso, de cunho depreciativo, mas era verdadeiro.
Na matéria de 6 páginas e 12 fotos dentro da revista, Marceu Vieira e Márcia Vieira, os repórteres que comigo andaram o dia inteiro durante uma semana, justificaram que eu era "chato" porque gostava "de tudo certinho, dentro da legalidade". Pura verdade. Se dentro da legalidade a gente às vezes ainda se dá mal, imagina fora.
Impetrei Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para os Médicos Cubanos porque são eles o nosso próximo. Devemos respeitá-los, agradecer-lhes e jamais hostilizá-los.
Questões burocráticas e políticas não podem e nunca devem estar acima de solidariedade que jamais pode faltar nas relações humanas.
Se são mesmo médicos ou se não são, isso é questão para o governo verificar. Eles deixaram suas famílias e vieram sós para nos socorrer. E numa condição quase de escravos. O Brasil paga por cada um cerca de 12 mil, 70% ficam para o governo cubano, 5% para o intermediador OPAS, a Organização Pan-americana de Saúde (pra que intermediador, hein? e o que essa tal OPAS já fez até hoje pelo povo brasileiro?) e o que sobra, pouco mais de 3 mil, é entregue aos cubanos que vieram e que aqui ainda estão.
E essa multidão de homens e mulheres cubanas que aqui desembarcaram, foram proibidos e continuam proibidos de pedir asilo ao Brasil, de transformar seus vistos de temporário em permanente, de pedir naturalização ao governo brasileiro. Tudo a afrontar, impiedosamente a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e todos os outros diplomas internacionais que garantem a qualquer cidadão, em tempo de paz, de ingressar, permanecer e sair quando quiser em qualquer outro país que não seja o seu.
Quanta patifaria meu Deus!. Hoje, a cidadania que cada um de nós detém e ostenta, é cidadania universal. Se a globalização tem seus defeitos, tornar cada um de nós cidadão do mundo foi virtude, foi avanço, foi prosperidade e igualdade, porque todos somos iguais, na essência e na forma. Todos nascemos, crescemos, morremos e temos o direito de viver com saúde e felicidade, porque vida sem saúde, vida sem felicidade é vida moribunda e assim não vale a pena viver e é melhor morrer.
No Habeas Corpus nº 165217 que dei entrada no STF e que está para ser decidido hoje (terça-feira) ou amanhã pelo relator, ministro Luis Roberto Barroso, se concede ou não a liminar, não pedi nada nada de extraordinário.
O que me surpreendeu foi repercussão deste HC que constatei hoje ser internacional.
Pedi que os cubanos fossem tratados como pessoas humanas. Que a eles fosse dado o direito de ficar.
Habeas-Corpus não serve apenas para garantir o direito de ir e vir, como se costuma popularmente dizer. O Direito de Permanecer, de Ficar, também justifica a impetração de Habeas-Corpus. Pedi liminar para que os cubanos, se assim desejarem, continuem no Brasil e lhes sejam garantidos os direitos que os governos, brasileiro e cubano, deles retiraram, que é o de pedir asilo, de transformar o visto de temporário em permanente e o direito de se naturalizarem brasileiros, desde que atendidas as exigências legais.
Creio que o senhor ministro dará decisão favorável. Por que não dar?.
A escravidão terminou no Brasil, segundo a História, com a Lei Áurea, em 1888, assinada pela princesa Isabel, também chamada a Redentora.
Então que o senhor ministro, concedendo a liminar, faça prevalecer a força do Direito, porque até aqui o que está prevalecendo é o "direito" da força, da ditadura, da exploração, oficial e escancarada, da força de trabalho humano do homem pelo homem.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)