A mais perfeita ilustração do movimento de resistência
01/11/2018 às 16:47 Ler na área do assinante- Mãe, eu me recuso a comer esse jiló!
- Que jiló, Nina?
- O jiló desse almoço horrível, indigesto, intragável.
- Filha, são 7 da manhã. Aqui tem pão, manteiga, café, geleia de... deixa eu ver... geleia de morango... Não tem jiló.
- Eu não aceito jiló. Eu não admito.
- Nina, minha filha, você está bem?
- Eu serei a resistência ao jiló. Zoé, não solte da minha mão!
- Nina, deixe sua irmãzinha tomar a mamadeira dela em paz. Não tem jiló nenhum aqui. Acho que nem na geladeira. Pode ser que a Odete compre quando for à feira, porque seu pai...
- Jiló nunca mais!
- Nina, você jamais comeu jiló na vida. Não sabe nem que gosto tem. Seu avô é que gostava, e, mesmo assim, tem anos que não se faz jiló nesta casa.
- Jilós não passarão. O jiló não me representa. Morte aos produtores de jiló.
- Filha, eu nem sei o que vai ter pro almoço. É possível que a Odete faça abobrinha, berinjela, couve flor. Ou quiabo, que você também odeia, mesmo sem ter provado. Se tiver jiló, aí, sim, você...
- Jiló é retrocesso. Jiló é barbárie. O jiló fere a minha existência.
- Tá bom, Nina. Acabe de tomar o café antes que esfrie e na hora do almoço, se tiver jiló, a gente conversa.
- Vou bloquear a passagem pela sala. Vou queimar crocs e havaianas no corredor. Ocuparei a área de serviço. E não ouse arrancar esta faixa que eu vou estender aqui na cozinha, em protesto.
- Tá bom, Nina. A faixa fica. Lembrando que "autonomia" não é com L, "fascismo" tem um S antes do C, e "jiló" é com J. Agora largue a mão da Zoé que ela já está ficando assustada.
Eduardo Affonso
É arquiteto no Rio de Janeiro.