A Câmara Municipal é a instituição pública mais importante da democracia. Mais do que o Executivo, a Câmara é o espaço público mais aberto à cidadania, é através dela que se pode praticar a chamada “democracia de contato”. Enquanto o Executivo representa o voto da maioria, a Câmara é o espaço da representação da diversidade da sociedade, essa que é o maior desafio da democracia contemporânea. Alguns pensadores opinam, inclusive, que para experimentação e para educação política da população, o parlamentarismo devesse começar pelos municípios, situação essa que promoveria ainda mais a importância dessa Instituição.
No dia 25 de agosto, um tsunami varreu a política de Campo Grande. Um prefeito foi derrubado, outro prefeito foi reconduzido, o Presidente da Câmara
foi destituído e oito vereadores foram conduzidos, “sob vara”, para prestar depoimentos na justiça, em um escândalo, sem precedente, envolvendo a denúncia de compra de votos com dinheiro proveniente da corrupção. Muitos outros desdobramentos são ainda esperados.
Esses episódios puseram a nu a grave deterioração institucional que, no geral, atinge as Câmaras Municipais.
Não faço essa crítica a partir de uma posição moral, já que a moralidade pública deve ser um padrão universal, dos agentes públicos. Essa situação vexatória dos parlamentos municipais tem componentes históricos e políticos. Os homens são eles próprios e os seus contextos.
Vivemos nas últimas décadas a perda de referências ideológicas na política, do referencial coletivo representado pelos programas partidários, do senso do bem comum, do sentimento republicano, que foram sendo substituídos pelo pragmatismo e pelo individualismo daqueles que encaram os mandatos como se fossem passos de uma carreira profissional. Em um tempo da radicalização da ideologia do liberalismo, cada um é um, a perseguir o seu projeto individual de pequenas ambições e grandes apetites, amparado em uma política de clientes e financiadores.
Tem jeito? O futuro não está escrito, nada está garantido, mas vejo na crise atual uma oportunidade de dar bons passos na direção da mudança. O Brasil não vai acabar, nem Campo Grande. Existem ainda focos de resistência da boa política a perseguir boas causas e principalmente existem muitos cidadãos decentes que podem, em um contexto de mudanças, assumir a política como dever de cidadania. Isso vai exigir mudanças radicais de posturas das pessoas, e instituições renovadas.
O Prefeito não pode ignorar a representatividade do legislativo, mas essa relação tem que ser claramente mediada pelo interesse público. É necessário que seja duro, contra a velha política de trocas que está indo parar na barra dos tribunais, talvez atrás das grades.
Por sua vez, o Legislativo não pode ser subserviente ao Executivo, tem que ser afirmativo, mas exclusivamente dentro das suas atribuições legais de fazer leis e fiscalizar. Vereador não pode ser um despachante subalterno das reivindicações clientelistas que os tornam dependentes dos favores do Executivo. A população tem que se relacionar de maneira direta e cidadã com os órgãos da administração, através dos seus próprios líderes, entidades e movimentos. Nem sempre os vereadores gostam disso, pois muitos querem estabelecer relações farsescas que lhes permitam cobrar pedágio político dos eleitores por ocasião das eleições.
A Câmara, pela representatividade que tem, deve se transformar em um grande fórum dos problemas da cidade, de discussão da qualidade e dos resultados das políticas públicas. Para isso tem que se qualificar tecnicamente, para poder discutir, em alto nível, os projetos próprios e aqueles provenientes do Executivo. Não se constrói qualidade legislativa apenas com contratação de cabos eleitorais que ficam o tempo todo preparando a próxima campanha.
Imagino que o Ministério Público e o GAECO, com sua ação na Prefeitura e na Câmara, em nome da moralidade pública, fizeram uma nova proclamação da República em Campo Grande no dia 25 de agosto. Cabe agora à cidadania garanti-la e aprofundá-la nas próximas eleições para barrar essa “classe política” despreparada e irresponsável.
Fausto Matto Grosso
Diretor da Fundação Astrojildo Pereira/MS
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da Redação