Até que tudo se torne insuportável de novo

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Já faz tempo que há grandes restrições à posse de armas de fogo no Brasil. Pesssoalmente, não creio absolutamente que a proibição de compra e venda de armas resolva alguma coisa no país. Em qualquer país.

Desde que o homem surgiu no planeta —sabe-se lá quando, pois os cientistas divergem sobre a época exata, mas tem mais ou menos um milhão de anos que estamos no planeta—, sabemos que é inerente do ser humano matar seu semelhante, seja individualmente, através do assassinato, seja coletivamente, através da guerra. Desenhos e escritos rupestres

encontrados em cavernas já mostravam os primeiros seres humanos se engalfinhando pela caça, pela pesca, pela vida, por honras, pedaços de carne crua, posses, amores frustrados, ciúmes etc. etc. e tal. 

Povos pré-históricos brigavam por espaço, por comida, por amores e paixões, com apurado senso assassino. Nos livros sagrados de praticamente todas as religiões e seitas, há relatos de espetaculares (e até maquiavélicos) embates entre homens, todos defendendo o que chamavam de bem contra o mal. Da Pérsia, da Grécia, do Egito, da Mesopotâmia, sabemos de histórias de guerras e assassinatos com relatos apaixonados sob as mais diversas ópticas. Versões poéticas ou graciosas contam de assassinatos e guerras por amor, por paixões impossíveis, por traição, quando não uma fronteira, uma bandeira, êxodos, saques, violações. É da natureza humana a arte de matar os seus semelhantes, de guerrear. 

Resumindo, fazem muitos milhares de anos que os homens se matam entre si, em guerras ou outro tipo de refrega, mas sem precisar de arma de fogo. No princípio, usava-se apenas as mãos, depois, surgiram paus, pedras, flechas, lanças, estilingues; as primeiras armas de fogo eram versões menores do canhão, que só foi desenvolvido no século 14. De mais ou menos 1425 em diante, o disparo destas armas foi aperfeiçoado —quer dizer, não faz seiscentos anos que as armas de fogo foram inventadas e sempre, desde que o homem existe, se matou no planeta. O homem não mata porque tem arma, mas tem arma porque mata.

Nunca há verdadeiramente vencedores. Não há gente inocente quando um ser humano mata outro, seja um assassinato, seja uma guerra. Nas guerras, somos todos culpados. Uma faca, uma flecha, uma lança, um fuzil, uma bomba, uma arma química, um massacre. Um míssil (seja norte-americano, russo, coreano, israelense ou árabe), que sempre custa milhões de dólares, não seleciona a mira, o alvo. Crianças, velhos, hospitais, igrejas, lupanares, cidades, mulheres, padres, advogados, meretrizes, tudo explode em mil fragmentos. A guerra e o assassinato são a vergonha da espécie humana. 

Os Estados Unidos, o chiquérrimo Império da Ianquelândia, lutando contra os mais miseráveis países do mundo e, para isso, tem por trás todo um dispendioso aparato bélico-militar, ao custo de milhões de dólares; milhões de pessoas são envolvidas, e, claro, muita gente lucra com isso. Ufanismo calhorda, falsa liberdade, retaliação terrorista de Estado, vingança, orgulho patriótico, tudo isso no fundo é uma grossa balela. O poder, o status, a presunção, o intervencionismo que garanta trâmite de mídia e fulcro financeiro é mais importante. Por trás de uma guerra sempre há um interesse escuso. 

Hoje, já bem marcado pela guerra, lembrando babéis, berlins, londres, hiroshimas e vietnãs, fico pensando nas nossas pequenas guerras locais, nas favelas de São Paulo e Rio de Janeiro, nas crianças indígenas de Dourados, nos pontos de droga, nos massacres e chacinas cometidos por policiais —logo eles!—, nos milhões de crianças mortas de fome ou por falta de remédios porque um burocrata corrupto decidiu usar a grana para pagar mensalões, petrolões ou financiamentos para partidos políticos disputarem eleições quase sempre fraudadas, em indiozinhos que morrem à míngua porque estão desassistidos ontem, hoje e sempre. 

No Brasil, vaquinha de presépio do teatro de bonifrates da economia e política mundiais (notadamente banqueiros-agiotas do capital estrangeiro), o povo, como sempre, entrou de gaiato nesse roldão de inumanismo e falta de ética social e comunitária.

E, enquanto as guerras se arrastam no cenário mundial, aqui, com quase 60 milhões ganhando menos que 800 reais (vida de indigentes) por mês, quando os governantes incompetentes reinam e viçam, ainda dizem que a economia está dando certo, com uma inflação enrustida, com o nosso hediondo capitalismo calhorda sustentado por um partido dito de esquerda sendo, como sempre, financiado pela corrupção endêmica institucionalizada em todos os níveis. E tudo segurado pela impunidade.

E a impunidade cria posturas levianas. Temos, a bem da verdade, uma guerra civil no campo, com os sem-terra e ruralistas que temem uma reforma agrária que tanto o Brasil precisa. Temos uma guerra civil na saúde. Temos uma guerra civil no trânsito. Temos uma guerra civil entre na segurança, travada entre policiais, traficantes de drogas e contrabandistas de armas. Temos a periferia com seus justiceiros e matadores de aluguel nos impingindo a cada final de semana, em todo grande polo urbano, bateladas de cadáveres e feridos.

Não somos vitimas de terremotos, vulcões, furacões, tornados —e desde sempre nos orgulhamos, por isso, de ser a terra escolhida pelo Todo Poderoso—, mas temos um sistema político basbaque e degenerado, e um empresariado que, na sua maioria (e sociologicamente falando), é mil vezes pior do que isso. Não há boas perspectivas. 

Albert Einstein, o grande gênio do século 20, dizia que não sabia como seria a terceira guerra mundial, mas a quarta seria com paus e pedras. E o que diria Nostradamus, ou mesmo São João, o do Apocalipse? Choro e ranger de dentes, certamente. Desde o princípio, quando as clavas, as bordunas, as flechas e as lanças serviam para prover a caça e se defender do inimigo, as armas acompanharam o avanço das civilizações, servindo a grandes conquistas, mas também de instrumento de morte e destruição.

Dizem que o mundo está muito violento. E deve estar mesmo, e eu não vou brigar com o noticiário nosso de cada dia nem com o medo das pessoas de sair de casa. O mundo está violento, muito violento... E ponto final. Vamos pensar numa solução! Solução?! Sim, solução! Existirá no planeta algum problema sem solução? Afinal, somos um ser com uma inteligência privilegiada —assim dizem! O problema —se existe, e dizem que existe— é de fácil solução. 

Primeiro, eliminar completa e imediatamente todas as armas pesadas: bombas nucleares, tanques, canhões, mísseis, porta-aviões...

Segundo, fazer com que se produzam seis bilhões de armas leves (revólveres, rifles, pistolas, espingardas, fuzis... Até uma ou outra granadinha...), isto é, uma para cada habitante do planeta. Terceiro, equipar cada arma destas com um chip de autodestruição programado para explodir num dia qualquer no futuro, 1° de abril de 2023, por exemplo. Quarto, entregar uma arma a cada ser humano, tenha ele dez ou cem anos de idade —vamos poupar apenas as crianças— e munição à vontade. 

Enquanto as armas não explodem, todos temos o direito de matarmos quem bem quisermos, sem preconceitos de raça, credo, idade, sexo, time de futebol ou nacionalidade... Vamos matar o cara que nos agride no trânsito, a sogra enxerida, a namorada traidora, a amante assanhada, o comerciante ladrão, o político corrupto. Cada pessoa morta desintegra imediatamente sua própria arma (devido a um mecanismo de identificação arma-dono).

Minha expectativa é que, antes do final de abril de 2023, presenciaremos um grande espetáculo de armas de artifício. Terão sobrado algo em torno de um milhão de pessoas (0.017% da população atual) —não fiz nenhuma conta; este é apenas um chute. Não haverá mais armas. Teremos espaço de sobra. Não haverá medo de bombas, de poluição, de falta de água ou de comida. A humanidade terá alguns milênios de paz e tranqüilidade, até que tudo se torne insuportável de novo...

Luca Maribondo

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